Quando as nominações para o Oscar desse ano foram anunciadas na terça-feira, podiam-se ouvir reclamações sobre mais uma safra de filmes que “ninguém” viu, apontando a ausência de filmes de entretenimento como “Capitão América: Guerra Civil”, “Rogue One” e “Procurando Dori”. Até “Deadpool”, que conseguiu alguma atenção — e legitimidade — no Globo de Ouro, está completamente fora da competição nas categorias de melhor filme e melhor roteiro, mesmo contra a vontade dos fãs.
É claro que não houve sucessos de bilheteria como “Perdido em Marte” ou “Mad Max: Estrada da Fúria” para rivalizar na lista esse ano. Mas basta olhar os indicados com atenção para ver que a afirmação de que o Oscar virou um ritual de auto-afirmação para filmes urbanos e liberais é uma mentira. Na realidade, a maioria dos indicados a melhor filme encarnam os valores que agradam muitos: “A Chegada”, o thriller contemplativo de ficção científica de Denis Villeneuve sobre comunicação e dissolução de barreiras, se mostrou o alívio que os espectadores buscavam depois do conturbado período político, ganhando 175 milhões de dólares mundialmente (além dos $95 milhões nos cinemas americanos) desde que foi lançado na sexta-feira pós-eleições.
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“Estrelas além do tempo”, filme baseado em fatos reais sobre mulheres afro-americanas que trabalhavam como matemáticas na NASA na década de 60, se tornou um sucesso inesperado por dar para audiência de todas idades, etnias e crenças políticas algo para se identificar. E o mais visto de todos, o musical “La La Land”, já acumulou quase $180 milhões de dólares de bilheterias e deve ganhar mais: com a indicação para 14 categorias, será exibido em mais 1.200 cinemas.
Reconhecidamente, “ La La Land” é acusado de valorizar a parte isolada de Hollywood, como o próprio título já reconhece. Mas a mistura entre autoconsciência e romance encantou espectadores de diferentes localizações e filiações partidárias. Além disso, o filme ultrapassou o número de indicações de filmes bem mais politizados, como “Fences”, sobre um trabalhador de saneamento na década de 50 em Pittsburgh, “Hell or High Water”, sobre proprietários de terras desapropriados que buscam vingança dos bancos, e “Até o último homem”, filme de Mel Gibson sobre Desmond Doss, um herói na Segunda Guerra Mundial que personifica os mais altos ideais de pacifismo e patriotismo.
Bons resultados
Apesar do discurso de Meryl Streep no Globo de Ouro, em que ela estabelece uma lamentável falsa escolha entre cinema de qualidade e o jogo de futebol de domingo — nossas vidas como frequentadores de cinema não é tão fechada quanto se pode pensar.
“A Chegada”, “Estrelas além do tempo” e “Fences” podem não ser sucessos comerciais tão grandes como “Rogue One”, mas chegaram bem longe com a audiência. Até mesmo o drama alternativo “Machester By the Sea” e a história gay de superação e crescimento “Moonlight” - os mais “indie” e talvez exóticos de todos os indicados - estão tendo bons resultados. “Manchester”, perfil de um zelador de Boston se entendendo com seu passado, fez sucesso não só onde era esperado - cidades liberais como Nova York, Los Angeles, Washington e Chicago - mas também em cidades mais conservadoras como Boise e Phoenix.
A empresa de distribuição de “Manchester” falou sobre o desempenho do filme: “não parece haver uma diferença entre vermelho e azul” quando se fala de filmes que levam o espectador para jornadas poderosas, sendo elas imaginárias e recheadas de ação ou empáticas e emotivas.
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Quando espectadores assistirem o Oscar em 26 de fevereiro, eles poderão tirar sarro dos vestidos exagerados e dos discursos presunçosos. Mas não podem acusar os filmes de serem elitistas ou inacessíveis; eles pelo menos nos ajudaram a estourar nossas bolhas, e não deixá-las mais fortes.
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