“O choque do futuro é o estresse e a desorientação atordoantes que induzimos nos indivíduos quando os submetemos a mudanças demais durante um período excessivamente curto de tempo”.
Estas são as palavras do escritor e futurista Alvin Toffler, que morreu no fim do mês passado (dia 27 de junho), aos 87 anos. Elas constam em sua obra mais famosa, o livro “O Choque do Futuro”, publicado em 1970, mas cujas principais premissas continuam extremamente atuais, pelo menos em Hollywood. Apenas dois dias após a morte de Toffler, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou que estará convidando 683 cineastas e profissionais para se tornarem membros, um número que inclui uma quantidade bastante saudável de mulheres e negros.
Claramente afetada pelas críticas à exclusão e falta de representatividade do último Oscar – resumidas na hashtag #OscarsSoWhite (Oscar tão branco)– a organização, ainda em sua maior parte composta por homens brancos, buscou se diversificar não só com base em etnia e gênero, mas também idade e nacionalidade. A lista dos novos convidados pende para um público muito mais jovem do que a média de mais de 50 anos da maioria dos membros da Academia. Mais de vinte possíveis membros vêm de países que não são os Estados Unidos.
As novas perspectivas, dentro de uma organização cujas escolhas e gosto muitas vezes dão a impressão de serem desesperadoramente tacanhos, são muito bem vindas, mas essa política um pouco mais aberta pode ser justificada também a partir duma perspectiva de negócios. Segundo estimativas recentes do censo, bebês que fazem parte de “minorias” agora representam a maioria dos nascimentos nos Estados Unidos, com pouco mais de 50% de crianças com menos de um ano pertencendo a grupos étnicos que não são considerados brancos. Pode-se ver nessas políticas mais inclusivas da Academia uma tentativa de inoculação contra outras críticas futuras, mas elas também marcam os esforços de uma indústria de entretenimento que tenta desesperadamente atrair um público e expectativas que vêm mudando cada vez mais e mais visivelmente.
Resposta desajeitada
A Academia é só um indicador de como Hollywood anda respondendo a esses desafios, por mais desajeitadas que possam ser essas respostas: É possível ver os sobressaltos no caminho da evolução já nos filmes em si. “Um Estado de Liberdade”, por exemplo, um drama idealista ambientado na época da Guerra Civil com Matthew McConaughey como Newton Knight, o rebelde que enfrentou internamente os confederados, teve muito trabalho para apresentar com precisão histórica a sua versão dos acontecimentos, e o diretor Gary Ross chegou até a criar um site informativo para permitir que os espectadores se aprofundassem quanto aos eventos que inspiraram o filme. Ao trabalhar com uma equipe impressionante de historiadores, Ross estava determinado a evitar os clichês comuns de filmes de “branco salvador”, criando um aliado negro para lutar junto com Knight e escolhendo Gugu Mbatha-Raw como Rachel, a escrava doméstica que se torna esposa de Knight.
Mas “Um Estado de Liberdade” não consegue não ser justo o tipo de filme que Ross queria que ele não fosse, em parte porque, ao ter McConaughey no papel principal, era impossível não destacá-lo sozinho como seu único herói. Ross também não se ajudou ao deixar de lado, convenientemente, algumas verdades mais desagradáveis, como o fato de que Rachel já tinha sido propriedade do pai de Knight. Há muitos motivos pelos quais “Um Estado de Liberdade” teve um desempenho fraco na bilheteria da semana passada, como o fato de que saiu na época errada (ele teria se saído melhor no outono, em vez do verão), além de sua estrutura e duração exagerada. Mas a política racial complicada do filme chegou numa época – ainda temos frescas na memória as cenas de “12 Anos de Escravidão”, e o “The Birth of a Nation” de Nate Parker está sendo bastante antecipado – em que, para as expectativas do público, estão cada vez mais intragáveis as histórias nas quais mulheres e negros são figuras passivas, marginais, decorativas ou caluniadas gratuitamente.
Revisionismo progressista leviano
Essa nova realidade é reconhecida, ainda que de uma maneira ridícula, em “A Lenda de Tarzan”, no qual os cineastas tentaram, com muita valentia, navegar pela perspectiva colonialista de um branco de origem britânica que chega no Congo para resgatar seus nativos oprimidos. É um pastiche divertidamente sincero, que lembra um gibi antigo, no qual os roteiristas Craig Brewer e Adam Cozad inseriram um personagem da vida real para acompanhar Tarzan em suas aventuras: George Washington Williams, o filho de ex-escravos que em 1889 visitou o Congo sob convite do rei da Bélgica, Leopoldo II, e, ao retornar, redigiu uma carta aberta ao monarca condenando suas políticas brutais contra os congoleses.
Uma mistura demente de ficção histórica, fantasia, idiotice escapista e boas intenções desperdiçadas, “A Lenda de Tarzan” elenca Samuel L. Jackson como Williams, que cede à película o mesmo ar de revisionismo progressista leviano que têm, por exemplo, “Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros” ou “Django Livre”. Mas, apesar dos esforços dos roteiristas, “Tarzan”, assim como o recente e lamentável “O Cavaleiro Solitário”, é uma daquelas propriedades antigas do estúdio cujos valores retrógrados estão tão profundamente entranhados nelas que não há roupagem progressista que as deixe aceitáveis para as sensibilidades do século 21.
Hora de mudar
Em tanto “Um Estado de Liberdade” quanto “A Lenda de Tarzan”, é possível observar em tempo real os titãs da cultura pop chegando à conclusão relutante de que os interesses coletivos ao quais eles vêm servindo ao longo do último século – a perspectiva branca e masculina da qual partilham também a maioria dos executivos da indústria – não só não garantirão sucesso, como ainda, se não forem repensados, poderão significar a morte certa da indústria.
Os membros mais novos da Academia não irão necessariamente fazer com que a política dos estúdios mude, mas podem dar um empurrãozinho: É possível que eles enfim reconheçam aqueles filmes que os estúdios têm um histórico já de ignorar e não levar a sério, conferindo-lhes uma visibilidade adicional, maior marketing e, talvez, arrecadações mais impressionantes.
E os donos dos estúdios que forem mais atentos estarão de olho, ao perceberem que, quanto mais inclusivos forem em seus braços criativos e corporativos, maiores as chances que eles terão de sucesso com o público diversificado e culturalmente consciente – em outras palavras, todos esses bebês da nova maioria logo estarão exigindo que os filmes os reflitam na telona em sua plenitude. Como disse Toffler, “O analfabeto do futuro não será quem não souber ler. Será quem não souber aprender”.
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