Começa como qualquer outra sequência de treinamento. Alan é um médico branco em Uganda, e as crianças da favela resolvem instruí-lo na vida do comando. Uma criança soldado, armado com um rifle de assalto de faz de conta improvisado a partir de gravetos atirado por sobre seu ombro, persegue o desafortunado doutor. Alan cai de cara no chão.
“Isso, meu amigo, foi cocô, de verdade”, o narrador onisciente do filme exclama entre risos. “Isso é Uganda. Cocô por todos os lados.”
Momentos de humor tolo como esse são emblemáticos dos filmes estilo Wakaliwood. E Wakaliwood é um homem ugandês em uma favela.
Isaac Nabwana, de 44 anos, é o arquiteto de toda uma indústria cinematográfica em Wakaliga, a favela de Kampala onde ele e sua família vivem e trabalham. É o cenário de mais de 30 filmes de ação “faça você mesmo” ultraviolentos que Nabwana já concluiu ou estão em filmagem. Também é uma cidade pobre com fornecimento irregular de eletricidade e água, que também ocorre de abrigar uma escola de artes marciais, cujos alunos ensinaram a si mesmos a partir de revistas e filmes do Bruce Lee.
A fama de Nabwana cresceu em 2010 com um trailer para “Who Killed Captein Alex?” (Quem matou o capitão Alex, em tradução livre), um épico de guerra filmado com um orçamento de menos de 200 dólares e assistido por milhões na internet. No último fim de semana, Nabwana realizou sua primeira exibição nos Estados Unidos, em Austin, no Texas, apresentando seu último projeto, “Bad Black” (Negro mau, em tradução livre) – com a sequência de treinamento encharcada de esgoto – para frequentadores do Fantastic Fest, um festival de cinema independente.
Triunfo da imaginação
A maior parte da distribuição de seus filmes é feita pelo seu canal no YouTube. Seu orçamento não vai além de 200 dólares, e seus filmes são frequentemente concluídos com 60 dólares. Ele altera sua própria casa para que se pareça com prédios diferentes, e sua cabana de acessórios é ocupada por utensílios domésticos esculpidos para parecerem bombas e armas.
“Tudo é difícil, aqui e em todo lugar”, Nabwana disse ao Washington Post. “Mas você precisa de determinação e trabalho. É preciso ação para fazer filmes de ação.”
Os filmes de Nabwana são um triunfo da imaginação sobre a falta de recursos. Sim, o sangue é corante de alimentos e os efeitos de tela verde usados para retratar sequência de ação de larga escala e colisões de veículos são baratos e transparentes.
Mas os filmes se recusam a serem definidos pelas imagens de baixa resolução. Ao invés disso, a ação de destaca. As lutas de kung fu? Os tiroteios? São todos coreografados com um olho de especialista em ação e roteiro diretos. As sequências de ação com câmera tremida transformadas em padrão pelos filmes da franquia “Bourne” funcionam tão bem aqui quanto com Matt Damon.
As inspirações são óbvias: os filmes de ação de Arnold Schwarzenegger e Dolph Lundgren, a coreografia de tiroteios em Honk Kong de John Woo à la “Fervura Máxima” e filmes antigos de kung fu shaolin dos irmãos Shaw.
Tal como um pioneiro dos primórdios do hip hop nos anos 70, Nabwana podia ver e ouvir os sons e as experiências que precisava concretizar. Mas sem recursos e com um serviço irregular de internet, ele não tinha acesso a uma sólida biblioteca de explosões. A solução? Assistir “Comando para Matar” e gravar as explosões.
“Filmes de ação são um jogo incrivelmente caro, para se realizar e para se encontrar talentos”, disse Alan Hofmanis, um ex-diretor de festivais de cinema de Nova York que descobriu o trailer de “Alex” logo cedo e largou sua vida nos Estados Unidos para trabalhar com Nabwana em tempo integral, promovendo outros filmes do diretor. Ele também interpreta Alan em “Bad Black”.
Tem sido uma longa estrada em busca de reconhecimento dentro da indústria cinematográfica e de ir além do sucesso viral, disse Hofmanis.
“É a violência”, disse Hofmanis, ao descrever como eles tinham de vender o conceito dos filmes para festivais de cinema e distribuidoras. “Eles nos dizem: ‘se Isaac leva o cinema a sério não devia estar fazendo esses filmes, devia estar fazendo filmes sobre pobreza.’ Mas há tantos filmes sobre pobreza. Quantos vêm dela?”
Nabwana trabalha com suas memórias de como foi crescer cercado de violência. Quando criança, ele tinha de deitar debaixo de sua cama para se esconder das balas perdidas.
“Em seus filmes, os mocinhos podem morrer a qualquer momento”, disse Hofmanis. “Ele quer mostrar que você não é invencível só porque tem uma metralhadora.”
Diretor nunca pisou numa sala de cinema
Nabwana também é motivado por uma necessidade inata de entreter. Ele regularmente realiza exibições para crianças em idade escolar na área. E as pessoas ficam entusiasmadas de verem a si mesmas na tela.
“Fizemos os filmes para deixar os moradores felizes e para que possam ouvir sua própria língua e ver lugares que reconhecem”, Nabwana disse. “Até seus próprios amigos podem estar nos filmes.”
No final, se trata menos da fama e do reconhecimento, e mais de plantar as sementes para que outros cineastas em potencial se tornem fábricas de sonhos “faça você mesmo”.
“Hollywood é uma ferramenta”, Nabwana disse. “O objetivo final é que todos no mundo saibam que podem fazer algo com muito pouco. Que podem criar algo que é bom e apreciado ao redor do mundo. Hollywood pode ajudar a mandar essa mensagem.”
Isso é tanto um apelo quanto a afirmação de um fato. Apesar da audiência que é capaz de alcançar, Nabwana tem um importante marco a alcançar como amante do cinema e diretor. Durante o fim de semana, ele conseguiu conversar pelo Skype com frequentadores do festival de cinema de Austin. Mas esse cineasta autodidata ainda nunca pisou em uma sala de cinema.
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