Foi com tristeza que li a respeito do falecimento de Andrzej Wajda. O lendário diretor polonês era uma das mais retumbantes vozes do mundo artístico a clamar por liberdade e justiça em face à tirania, um que acumulou um conjunto de trabalhos igualado por poucos.
Nascido em 1926 em Suwalki, Wajda atravessou uma série de tragédias nacionais: a invasão e divisão da Polônia nas mãos de Hitler e Stalin; a repressão de seu povo por trás da Cortina de Ferro; e a repressão ao Solidariedade por debaixo das botas soviéticas. Essa sensação de angústia nacional foi refletida ao longo de seus trabalhos; como notou Leonard Quart em um ensaio que acompanhou o lançamento da edição da Coleção Criterion de “Danton”, “entre os grandes cineastas poloneses (...) Andrzej Wajda de destaca como um dos mais preocupados com identidade e memória nacionais.”
Ele estourou na cena internacional em 1955 com “Geração”, o primeiro em um trio de filmes sobre a vida na Polônia durante a guerra (os outros dois sendo “Kanal” e “Cinzas e Diamantes”). Foram os trabalhos tardios de Wajda que passei a amar, contudo: filmes anticomunistas que deixaram os eventos históricos de lado para chamarem atenção para o absurdo e a opressão do sistema soviético.
Seu filme de 2007, “Katyn”, indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008, é o perturbador e horripilante conto do assassinato de mais de 20 mil poloneses pela polícia secreta soviética em 1940 – um crime a respeito do qual os soviéticos mentiram por anos, uma mentira que os aliados da Rússia na Segunda Guerra Mundial aceitaram por razões de conveniência na guerra contra a Alemanha.
O pai do próprio Wajda foi assassinado na floresta que dá nome à obra, e o filme acompanha a incerteza enfrentada pelas famílias que os mortos deixaram para trás. Intricado, arrepiante e de rasgar o coração, “Katyn” deu rosto a um dos crimes mais negligenciados da Segunda Guerra Mundial – um que recebeu novas ressonâncias em virtude de uma Rússia que ressurge com objetivos nacionalistas renovados.
Que “Homem de Ferro” exista é um fato bastante notável. Uma sonora defesa do movimento polonês Solidariedade e uma crítica mordaz do Partido Comunista, que iria, pouco depois do lançamento do filme em 1981, declarar lei marcial durante uma violenta repressão às liberdades no país, “Homem de Ferro” conta a história de um jornalista do governo que recebe ordens de sabotar o florescente movimento por liberdade.
Outros dos filmes de Wajda indicado ao Oscar – ele viria e receber um prêmio honorário em 2000 e seu último filme, “After Image”, é a aposta polonesa para o prêmio de melhor filme estrangeiro na cerimônia do ano que vem –“Homem de Ferro” trouxe o cofundador do Solidariedade Lech Walesa interpretando si mesmo e permanece uma das mais profundos lembretes da natureza sufocante da repressão soviética e das maneiras por meio das quais a mídia pode ser usada pelo governo como um meio de controle.
Mas é “Danton – O Processo da Revolução” (1983) que permanece o meu trabalho favorito de Wajda. Ambientado no segundo ano da Revolução Francesa, “Danton” traz Gerard Depardieu no papel que dá nome ao filme, um imponente homem do povo que conquista a ira da revolução depois de se tornar crítico do Terror. Maximilien Robespierre (Wojciech Pszoniak) primeiro tenta salvá-lo, sabendo que sua execução renderia a inimizade do povo, e então o condena à guilhotina, concluindo que uma revolução sem zelo é uma revolução sem motor.
Ainda que Wajda estivesse planejando o filme há anos e explicitamente negue uma conexão entre “Danton” e a repressão que ocorria na Polônia durante a produção e o lançamento do filme, público e crítica foram rápidos em chamar atenção para sua crítica da repressão revolucionária: a destruição das prensas, os julgamentos espetáculo, a proibição das assembleias. “Eles precisam me matar porque sou honesto”, diz Danton para seus compatriotas, apelando para a multidão enquanto luta por sua vida. “Porque digo a verdade. Porque os assusto. Três razões para assassinar um homem decente!”
E ele enquadra tudo como uma espécie de história de horror: a morte não só de um homem, mas de um ideal. O próprio Robespierre parece um fantasma – encharcado de suor febril, batendo à porta da morte – uma aparência acentuada por seus seguidores, pálidos como espíritos em virtude de toda a maquiagem que usam. Conforme o filme começa, Danton vai em direção à Paris. Viajando de carruagem, ele dá uma lenta volta ao redor da guilhotina que decora o centro da cidade: envolta em preto, o cadafalso distribuidor de morte aparece na tela acompanhado de lamúrias agourentas e tons ásperos, trazendo à mente “O Iluminado” mais do que um thriller político sério e cheio de diálogos.
A jogada mais ousada de Wajda foi a escalação e a direção dos atores. Uma equipe de poloneses foi trazida para interpretar Robespierre e seu esquadrão de capangas, com atores franceses dublando as falas depois das filmagens. Eles trazem uma energia maníaca ao filme, cercando o gélido e enfermo Robespierre com um zelo revolucionário que lhe parece faltar. E complementam a vulgar e grandiloquente sensibilidade de Depardieu agradavelmente: seu genuíno amor pela vida é um drástico contraste com o ascetismo maníaco do outro lado do corredor.
Não é surpreendente que a figura de Georges Danton atrairia o cineasta polonês. Andrzej Wajda era um amante da vida, alguém que desprezava mentiras, um crítico do terror, um adversário do desespero. Sua falta será sentida.
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