Inveja está relacionada ao que você gostaria de ter e não possui, enquanto o ciúme tem a ver com o que você tem e não quer perder.
Livro
Peter Toohey. Yale University Press (importado), 298 pp., US$ 24,60 (R$ 70, na Amazon, sem contar as despesas de entrega. Esse é também o preço do livro para o Kindle).
O amor faz o mundo girar, diz o poeta. Enquanto o cínico afirma que é o dinheiro. E Peter Toohey, professor de Antiguidade na Universidade de Calgary, elaborou um argumento envolvente para provar que o ciúme desempenha um papel importante nas nossas vidas emocionais, na literatura, nas leis e na existência cotidiana – muito mais do que a gente imaginava. Antes, o professor Toohey havia trabalhado com o tédio e a melancolia – nos livros anteriores, como nessa nova pesquisa, ele defende os benefícios trazidos por emoções normalmente consideradas negativas. O ciúme “é um meio potente para a afirmação dos direitos individuais e para o encorajamento da cooperação e do tratamento justo”.
Para distinguir o ciúme da inveja, ele cita as definições sucintas de Peter van Sommers [autor de outro estudo sobre o assunto]: “Inveja está relacionada ao que você gostaria de ter e não possui, enquanto o ciúme tem a ver com o que você tem e não quer perder”. Sinto ciúme da mulher que meu marido admira; e invejo a habilidade que ela tem de andar em saltos altos. Otelo tem ciúme de Desdêmona, mas Iago sente inveja de Otelo. Toohey enfatiza que as definições são traiçoeiras, mas diz que sempre sabemos como distinguir um do outro. O fato é que os dois estão interligados, com o ciúme associado à violência mais que a inveja – pratos quebrados, maridos enfurecidos, mulheres desprezadas, assassinato. Ele descreve alguns dos crimes modernos mais famosos e sanguinários, mas Otelo e Medeia são os arquétipos. “A raiva é cruel e a fúria, esmagadora, mas quem consegue enfrentar o ciúme?” (Provérbios 27:4)
Não é de hoje. Descrições clássicas, bíblicas, mitológicas, literárias e históricas do ciúme começaram com os primeiros mitos da criação, com Caim e Abel, ou Homero – o Julgamento de Páris, levando as deusas enciumadas Hera e Athena a incitar a Guerra de Troia. Toohey encontrou algumas pragas egípcias e gregas motivadas pelo ciúme masculino, como quando um homem do século 2.º pede aos deuses que “o fogo consuma as partes íntimas de Allous, [sua] vulva, [seus] membros, até que ela deixe a casa de Apolônio. Que a febre se abata sobre Allous, com doença sem fim... insolência, ódio, repulsa, até que deixe a casa de Apolônio”.
Toohey abre o argumento sobre o ciúme como um tema recorrente da arte com uma discussão sobre o livro Rebecca, de Daphne du Maurier; sobre a pintura enigmática “O Concerto”, de Vermeer; e sobre o romance La Jalousie, de Alain Robbe-Grillet; três exemplos de como situações de ciúme são em geral triangulares, envolvendo rivais e um prêmio. O livro de Robbe-Grillet é sobre o ciúme obsessivo que o narrador sente da relação da esposa com alguém chamado Franck, espionado através de uma veneziana. É fácil rebater o argumento de Toohey em torno da cena tranquila de Vermeer, com frequência associada à música, para a qual ele imagina algo muito mais vívido: “Talvez a modesta tocadora de cravo, com a cabeça humildemente curvada, inveje a fertilidade e a aparência da cantora que parece grávida. O professor de música, a figura socialmente inferior na cena, talvez inveje a vida confortável das duas jovens bem vestidas. Ou as duas mulheres poderiam estar presas em um triângulo amoroso...”
No livro de Du Maurier, a narradora certamente sente ciúme porque o marido dela, Maxim de Winter, parece ter amado a primeira mulher, Rebecca, mais do que ama a atual mulher, sua noiva. Mas Rebecca é um bom exemplo do quanto é difícil discernir entre ciúme e inveja. Como Rebecca está morta, dá para argumentar que a narradora inveja simplesmente a beleza e a alegria que todo mundo fala que Rebecca tinha. Ciúme tem tantas nuances que precisamos de outras palavras para alguns de seus desdobramentos: existe schadenfreude, a emoção que a narradora muito provavelmente sente quando sabe da morte violenta de Rebecca. A afirmação célebre de Gore Vidal, “Toda vez que um amigo triunfa, eu morro um pouco”, citada por Toohey, é schadenfreude ao contrário. Existe uma palavra para isso?
Toohey diz que, no fim do século 19, a literatura e a pintura viveram uma “explosão” de obras que tratavam do assunto, com personagens obsessivamente ciumentos como o Pozdnyshev, de Tolstói, na Sonata a Kreutzer; ou, mais tarde, o Bradley Headstone de Dickens. O leitor pode pensar em dezenas de exemplos: Emma, ou la cousine Bette, ou o herói de Trollope em Ele Sabia Que Estava Certo, que morre de ciúme, ou Così Fan Tutte, muita coisa de Verdi, “Frankie and Johnny”. O ciúme está em toda parte. Na pintura e na escultura, há uma ampla iconografia do ciúme – orelhas, maridos ouvindo atrás de portas, gatos com grandes olhos verdes, a cor amarela. Com a chegada do século 20, artistas começaram a buscar meios de expressar o ciúme. Neste ponto, Toohey fala dos quadros de Edvard Munch e cita August Strindberg, o dramaturgo, que parece ter achado a pintura uma forma de expressão mais objetiva de seu estado de espírito enciumado.
Toohey analisa as descobertas da psicologia do fim do século 19 e começo do século 20, por Freud e por seus colegas. Ele não menciona, mas podemos pensar em Breve Romance de Sonho, do escritor amigo de Freud, Arthur Schnitzler, que inspirou o filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, detalhando as fantasias de vingança de um marido cujo ciúme – em toda sua complexidade freudiana – é alimentado pelas fantasias eróticas da mulher.
Uma das descobertas mais interessantes de Toohey é que uma pessoa ciumenta mórbida (diferente de uma ciumenta “normal”) é zelosa ao buscar “evidências visuais para confirmar a verdade do que está sentindo”. Otelo precisa ver o lenço de Desdêmona. Esse tipo de elemento visual faz dos filmes um meio muito eficiente para retratar o ciúme. Ele sugere que o ato de perseguir [stalking] também está ligado a essa necessidade visual.