Pessoal ou profissionalmente, Daniel Kronauer, da Universidade Rockefeller, é o tipo de biólogo que não deixa pedra sobre pedra. Apaixonado por formigas e outros insetos desde o jardim da infância, ele diz que ainda adora levantar uma, “só para ver o que está rastejando embaixo dela”.
No quarto andar de um laboratório cheio de janelas no lado leste de Manhattan, ele e seus colegas examinam, de modo rigoroso e detalhado, a biologia, o cérebro, a genética e o comportamento de uma espécie de formiga. Os pesquisadores pintam à mão, minuciosamente, milhares de formigas clone invasoras, ou formigas-biroi (Cerapachys biroi), com pontos brilhantes de tinta rosa, azul, vermelha e verde, em um sistema de código de cores que permite que os computadores controlem os movimentos desses insetos 24 horas por dia – e faz com que pareçam balas de goma ambulantes.
Os cientistas manipularam o DNA dos insetos, criando o que Kronauer chama de primeiras formigas transgênicas do mundo. Entre os resultados surpreendentes está uma linhagem de tipos Greta Garbo, que desafiam a preferência padrão das formigas pela socialização e preferem ficar sozinhas.
Os pesquisadores também identificaram as pistas moleculares e neurais que estimulam as formigas a agir como enfermeiras e alimentar as jovens, a atuar como rainhas e a se reproduzir, ou a servir de policiais durões, capturando companheiras de formigueiros arrivistas, jogando-as ao chão e reduzindo-as a vários pedacinhos de quitina.
Formigas são como neurônios
Kronauer, que nasceu e cresceu na Alemanha e acabou de fazer 40 anos, é um homem alto, de cabelos cor de areia e olhos azuis, casado com uma dentista. É amável e direto e as ambições de seu laboratório são grandes e pragmáticas.
“Nosso objetivo final é ter uma compreensão fundamental de como um sistema biológico complexo funciona. Uso formigas como modelo para chegar a isso”, explica ele.
Segundo Kronauer, as formigas de um formigueiro são como as células de um organismo multicelular ou os neurônios de um cérebro: seus destinos unidos e seu trabalho sincronizado formam uma nova força que não pode ser subestimada.
“Mas você pode manipular um formigueiro de uma maneira que seria impossível de fazer com um cérebro. É muito modular e dá para desmontar e montar de novo.”
Kronauer e os outros autores descrevem seu trabalho em uma série de relatórios recentes que vêm aparecendo no ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’ (PNAS), no The Journal of Experimental Biology e em outras publicações.
Organismo modelo
Os pesquisadores esperam transformar essas formigas em um organismo modelo, no mesmo patamar de estrelas de laboratório como a E. Coli e a drosófila. Porém, enquanto a bactéria e a mosca da fruta se revelaram inestimáveis para abordar questões fundamentais sobre como os genes funcionam ou como os planos corporais surgem durante o desenvolvimento, as formigas-modelo de Kronauer oferecem a chance de explorar, sob condições controladas, a origem e a evolução das sociedades animais.
“Seu sistema é incrivelmente promissor para qualquer um que queria estudar o comportamento social”, afirma Corina Tarnita, professora associada de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Princeton, que trabalha com cupins e comunidades microbianas.
“É possível perguntar quais são os ingredientes básicos, as operações elementares que a natureza usa repetidamente para produzir sociedades, seja de formigas, limo, babuínos e até mesmo as primeiras sociedades humanas.”
Gene Robinson, especialista em abelhas e diretor de Biologia Genômica na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, explica: “A colônia social de insetos é um sistema complexo por excelência, e Daniel desenvolveu um conjunto muito poderoso de ferramentas para abordar grandes questões sobre como ela funciona e como, na ausência de um controle central, as interações locais podem dar origem a padrões globais”.
Ervas-daninhas
Uma das principais razões pelas quais as formigas invasoras são importantes em estudos laboratoriais é seu poder de adaptação. Muitas formigas são sensíveis, mas não as Cerapachys.
“É uma espécie de erva daninha. E isso acontece com vários organismos-modelo – eles têm uma distribuição global, são bons em invadir habitat conturbados e fáceis de ser criados em laboratório”, diz Kronauer.
Para monitorar os meandros da vida social das formigas, os pesquisadores usam uma série de abordagens: retiram genes desses insetos ou editam sua inscrição para ver como eles respondem; inserem neuroquímicos marcados radioativamente e checam em que parte de seu cérebro as moléculas de sinalização aparecem.
Os cientistas medem os movimentos dos insetos em frações de milímetros enquanto os bichos perambulam ao longo de grades finamente calibradas, riscadas em cerâmica. Eles as superalimentam e as deixam com fome; misturam e combinam insetos de idades, expectativa de vida e transgenicidade variadas.
O projeto representa a pesquisa básica em seu aspecto mais sedutoramente cerebral e também pode revelar conhecimentos sobre doenças humanas, como por que as células cancerosas ignoram todos os sinais para parar que estão a sua volta ou qual a razão de o cérebro se refugiar em si mesmo em casos de depressão.
“Estudando os neuromoduladores que tornam as formigas tão sensíveis ao ambiente social, podemos também aprender algo fundamental sobre autismo e depressão”, diz Kronauer.
Guerras clônicas
Além de seu fator erva daninha, a formiga clone invasora parece quase ter sido criada para experiências. As cerca de 12 mil espécies conhecidas exibem uma grande variedade de estratégias reprodutivas e de sobrevivência. Os exemplos mais familiares são as totalmente organizadas em sociedades, nas quais várias trabalhadoras estéreis fazem todas as tarefas, uma única rainha coloca todos os ovos e algumas formigas masculinas fornecem o esperma.
Entre as invasoras clonais, não há trabalhadoras e rainha designadas permanentemente. Em vez disso, todas se alternam de um papel para o outro. Metade do tempo se comportam como trabalhadoras, juntando comida para as mais jovens, geralmente, invadindo formigueiros alheios e roubando suas larvas.
Na outra metade, entram em “modo rainha” e todas as integrantes do formigueiro colocam ovos juntas. Além disso, não há formigas invasoras macho: os ovos se desenvolvem partenogeneticamente, sem esperma, criando linhagens de clones femininos com genes idênticos.
A mistura incomum dessas formigas de uniformidade genética e conduta multifacetada oferece uma ferramenta poderosa para decifrar o velho enigma da natureza e os pesquisadores de Kronauer vêm mapeando a interação dos genes e das pistas ambientais para moldar comportamentos essenciais como reprodução e sociabilidade.
Formigas policiais
Em um artigo no periódico Current Biology, Kronauer e seus colegas descreveram o rigor com que uma colônia de formigas clonais sincroniza sua programação: em certo momento todas colocam ovos, depois os ovos se transformam em larvas, então as adultas fecham seus ovários e vão cuidar das jovens famintas.
Às vezes, porém, o ovário de uma formiga permanece estimulado quando deveria parar e outras formigas conseguem detectar a atividade ilícita por meio de sinais reveladores de hidrocarbonetos nas cutículas da ofensora. Formigas de policiamento logo se fecham sobre o indivíduo hiperovariano, tiram-na do formigueiro, seguram-na e a destroçam, uma execução que pode levar horas e mesmo dias.
“Essas formigas são como pequenos tanques”, conta Kronauer.
Por que é importante matar uma formiga que pode se reproduzir fora da temporada quando ela é seu gêmeo genético? Kronauer compara as formigas policiais ao sistema imunológico do corpo e a formiga rebelde a um câncer.
“Um formigueiro tem problemas parecidos com um organismo multicelular. Você não pode ter componentes que não respondem a exemplos reguladores e começam a se reproduzir sem controle.”
Quando as formigas policiais batem na porta, não há pedra grande o suficiente sob a qual se esconder.
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