Como bom escritor que é, o sul-africano J.M. Coetzee desconcertou seus leitores que foram ouvi-lo na noite de segunda-feira (15), no Teatro Fernanda Montenegro, em Curitiba. O ganhador do prêmio Nobel de literatura de 2003 fez uma conferência de 50 minutos sobre censura. Após falar de sua experiência com os censores do regime do apartheid, que durante 40 anos controlaram tudo que era publicado no país, ele afirmou que "não há progresso quando se trata de censura" e que dentro de nós sempre sobrevive o desejo de censurar.
Justificou seu pessimismo dizendo que seria impensável para um cidadão de 50 ou 60 atrás viver em um mundo em que não se pode ter nas mãos uma foto de criança nua sem provocar desconfianças ou em que comentários sobre o Islã, semelhantes aos que sempre se faz sobre o mundo cristão, são entendidos como ofensa à liberdade de crença e religião. Este raciocínio concluiu sua conferência.
Coetzee tem 73 anos e vários de seus livros foram traduzidos no Brasil, entre eles Desonra, Infância, Homem Lento e Esperando pelos Bárbaros. Esta semana chegou às livrarias A Infância de Jesus (Companhia das Letras). A conferência faz parte do evento literário LiterCultura, que ocorrerá em agosto, no Centro Histórico da capital, e sua vinda a Curitiba foi bancada pelo projeto Leitura entre Amigos, do deputado federal Marcelo Almeida (PMDB). Ele só terá mais um compromisso no Brasil, a conferência em Porto Alegre, na quinta-feira (18).
Intelectual
Lendo pausadamente o texto da conferência, Coetzee (um senhor esguio e de expressão sempre séria) começou explicando como funcionava a censura literária em seu país durante os 40 anos do regime de apartheid, quando todos os livros tinham que ser autorizados por um corpo de censores.
"Desenvolvi um interesse pela censura como um fenômeno cultural e histórico", disse. De fato, ele é autor de uma obra sobre o tema, ainda não traduzida no Brasil (Giving Offense: Essays on Censorship).
Depois, relatou a curiosa experiência que viveu quando Peter McDonald, um dos autores de um estudo sobre a censura literária na África do Sul (Literature Police: Apartheid Censorship and Its Cultural Consequences) lhe ofereceu a oportunidade de ler os relatórios dos censores sobre quatro de seus livros, que sobreviveram nos arquivos do regime que tinha acabado. Coetzee descobriu, então, que as pessoas pagas pelo governo africano para analisar seus livros eram acadêmicos respeitados, sendo que alguns deles conviveram com ele socialmente.
Os censores vasculharam os livros de Coetzee em busca daquilo que o governo da minoria branca queria evitar: no campo da moral, a influência da liberalidade ocidental, e no campo político, a influência marxista ou o questionamento do regime. Os censores/acadêmicos liberaram os livros de Coetzee para publicação com a justificativa de que eram "altamente intelectuais", "inacessíveis", portanto, e legíveis apenas por uma minoria. Isso apesar de terem encontrado neles cenas de sexo inter-racial (que o regime não aceitava) e questionamentos sobre tortura (que vinha sendo praticada contra os opositores do apartheid).
Coetzee crê que foi poupado pelos censores por três razões: por ser branco e africâner, por vir da mesma classe social que os censores e porque eles não o viam como um autor popular. "Foram indulgentes comigo porque só um grupo pequeno me leria", explicou. Mas Coetzee discorda do raciocínio do grupo de censores: "Os livros que mudam a História não saem do prelo e se transformam imediatamente em grandes sucessos. Os caminhos da História são mais complexos que isso".
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