O coletivo curitibano Elenco de Ouro, juntamente com artistas da Casa Selvática, estiveram em Portugal para apresentar Cabaret Glicose e, por onde passaram, não deixaram ninguém indiferente.
Um turbilhão de ideias e emoções foi a marca provocada pelas três apresentações, de 23 a 25 de janeiro, que realizaram no distrito de Lisboa, mais concretamente na cidade de Sacavém e na localidade de Apelação.
Com Cabaret Glicose, um espetáculo que, segundo o diretor do Elenco de Ouro, Cléber Braga, "surgiu do processo de pesquisa sobre a linguagem do cabaret" e onde se "considera a possibilidade de uma construção singular de identidade cultural em povos colonizados", o público português reconheceu-se, deu corpo a fantasmas e ultrapassou medos.
Se há quem tenha dúvidas a respeito da força transformadora que uma peça de teatro pode exercer sobre o público, se há quem se interrogue acerca do poder de um bom ator face a um público céptico, bastaria assistir a Cabaret Glicose e ver como uma sala cheia se pode unir no reconhecimento de uma identidade e manifestar a sua humanidade.
Longe de elitismos artísticos e de qualquer tipo de paternalismos, foi com a sua frontalidade que o Elenco de Ouro conquistou os portugueses e os agitou na direção de um questionar da existência.
O grande Portugal, senhor colonial, que agora é vassalo da Europa. O negro que tem prazer na sua cor e cultura. As fronteiras que foram desenhadas num mapa, mas sem sentido no dia a dia de homens e mulheres. São temas que tocam na carne de muitos portugueses, em particular aqueles com origens em países africanos de língua portuguesa, e por isso, mesmo durante a apresentação, o público não se escondeu e manifestou, bem alto, o prazer em se reconhecer naquele Cabaret Glicose.
"São coisas que fazem parte da cultura do Brasil mas também da nossa cultura. Nós não somos de um só país. Somos de Portugal, do Brasil e de outros países também", comentou Bruno da Costa, da Guiné-Bissau, há 11 anos em Portugal, à saida do espectáculo. E, com uma pontinha de ironia, acrescentou: "Tal como Portugal foi um grande país e agora tem de limpar banheiros, aqueles que hoje são grandes senhores não pensem que o serão para todo o sempre".
Para a portuguesa Ana Furtado, filha de um casamento entre mãe portuguesa e pai caboverdiano, "o momento mais arrepiante foi quando a identidade africana foi apresentada com todo o orgulho e se gritou bem alto: "Negra! Negra! Negra!".
Inserida no Festival O Bairro i O Mundo, organizado pelo Teatro Ibisco, a presença do Elenco de Ouro em Portugal no maior evento de Arte e Inclusão do país é resultado de um processo de intercâmbio em que a afirmação de identidades pode ser considerada como um pilar que une realidades semelhantes, por acaso separadas por um Oceano.
Para a presidente do Teatro Ibisco, Eunice Rocha, a presença do Elenco de Ouro traduziu-se numa "experiência muito valiosa" que foi potenciada com a realização de uma Oficina Artística onde jovens atores do Bairro da Quinta da Fonte, Apelação, receberam formação.
Este projeto recebeu apoio do Edital Conexão Brasil [Intercâmbios] do Ministério da Cultura.
* A edição não alterou a grafia original utilizada pelo repórter.