*Helena Carnieri está em férias.
Quando era pequeno, um dos objetos mais fascinantes da casa da minha avó era um rádio antigo, daqueles com aparência de madeira, grandes botões, popularmente chamados de “caixões de abelha”. Não lembro de tê-lo visto em funcionamento, mas somente o visual daquele aparelho gerava uma imponência, sabia que deveria manter com ele uma relação de respeito, resistir à tentação comum das crianças de mexer em botões tão tentadores.
Durante a adolescência, quando achava que o problema era ter uma nota vermelha no boletim, passava tardes inteiras com o rádio ligado, esperando ansiosamente qual seria o primeiro lugar das “mais pedidas”. Era mais ou menos a mesma época em que colecionava fitas cassetes com hits gravados das emissoras, quando era comum ouvintes fazerem pedidos “para gravar”, garantindo aquele intervalo de preciosos segundos para apertar o rec.
Todo esse preâmbulo nostálgico foi para ilustrar a relação fraternal que sempre mantive com o rádio. Não falo apenas da música em si, mas do rádio, aquele que você liga, seleciona um número de frequência e é obrigado a se submeter aos desejos e caprichos de pessoas que você nem conhece. Uma relação quase ditatorial, do tipo “eu escolho a música que você vai ouvir, na hora em que eu quiser”. Uma espécie de masoquismo, podem pensar.
Entre a época dos meus avós e os dias atuais, a relação das pessoas com a música virou de ponta-cabeça. Vieram as internets, Napsters, celulares e Spotifies, que deram alforria total aos ouvintes, autonomia para serem os próprios DJs, selecionarem cuidadosamente o que ouvir, na ordem que acharem mais conveniente, pulando aquelas canções chatas e dando um repeat nas melhores. “Não precisamos mais que vocês, velhos ditadores, imponham seu gosto musical decadente!”, bradávamos.
Acontece que, por mais independência que eu tenha, há uma satisfação que sou incapaz de me proporcionar: surpresa. Posso preparar uma lista só com minhas músicas favoritas para ir ouvindo de casa para o trabalho e ter satisfação garantida por todo o trajeto. Mas de que vale satisfação sem aquelas chamadas pequenas alegrias do cotidiano?
Eis que no meio da caminhada você é pego pelos acordes de “Once in a Lifetime”, do Talking Heads, e tem vontade de comemorar como se fosse um gol. As chances são as mesmas de dobrar a esquina ao som de um Nickelback da vida e ter vontade de desligar o rádio. Mas eu não desligo. Porque, afinal de contas, que seria de nós sem a frustração?
Até tenho apreço por algumas rotinas (ler o jornal no café da manhã, por exemplo), mas ter incertezas também é necessário. Mesmo que sejam os poucos segundos que separam uma canção da próxima.
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