O meu ídolo Assis (1952-2014), craque do Atlético Paranaense do início dos anos 1980, estava entre as pessoas mais elegantes que conheci. Nestas questões, a primeira impressão é a que fica.
Como Assis não era fraco, a coisa foi dupla. Antes, o vi em campo. Esguio. Fronte alta, camisa rubro-negra manga longa, calção e meia brancos. Sangue azul. Quando batia na bola "não fazia barulho", anotou um inspirado Augusto Mafuz.
Neste mesmo dia, o conheci pessoalmente. Morávamos na mesma quadra do Couto Pereira e meu pai era diretor do Atlético. A casa servia de posto avançado na fronteira inimiga. Seus "pares de diretoria" e alguns jogadores com um pouco mais de grana e que tinham carro próprio (a comparação com o futebol atual é cruel) o deixavam no pátio em frente a nossa casa.
Naquele domingo, Assis chegou na pinta para pegar seu Monza. Jaqueta de couro marrom, camisa vermelho-inferno, calça bege, mocassim e meia branca à Michael Jackson. Cabelo e bigodão black power.
O estilo com o qual arrebataria algumas das maiores mulheres do seu tempo, ao mudar-se para o Rio de Janeiro no ano seguinte. Muito educado, cumprimentou minha mãe, bagunçou o meu cabelo, meteu um sambão no toca-fitas e saiu para a noite de Curitiba.
Com cinco anos, e tendo como única referência de costumes meus parentes batateiros, fiquei fascinado. O nascimento do cool. Anos depois, contei-lhe esta história numa mesa do Don Max. Quando Assis morreu, eu e amigos ficamos cavoucando suas fotos antigas na internet e veio a pergunta: seria Assis o rei da blaxploitation curitibana?
Pior que não. O grande herói local desta época em que a cultura afro (graças a todos os deuses e orixás) se reafirmou foi outro, foi o Lápis. De piá, Palminor Rodrigues Ferreira (1942-1978).
Talentoso, boa pinta, gente boa, foi talvez o maior compositor popular de seu tempo. Mestre da geração anterior, Waltel Branco sempre diz que o Lápis foi um dos precursores da bossa-nova em suas composições precoces como "Vestido Branco".
Um talento que como tantos permanece quase asilado na província. Ainda que seu samba Paticumbá tenha sido gravado pelos Originais do Samba e hoje seja parte inegociável do repertório das boas rodas de samba da cidade.
Quem o conheceu diz que Lápis era boêmio da pesada. Segundo o inesgotável baú do Aramis Millarch, "seus companheiros de noitada eram Celso Pirata, Tatara, Natinho, Susto, Paulo Chaves" e eles quebravam tudo no "Si Bemol" "Carreteiro", "Bebedouro". Me soa muito bem.
Assusta perceber que Lápis morreu no mesmo ano em que nasci, com a idade que eu tenho hoje. E eu aqui na ilusão de que os melhores tempos da vida ainda estão por vir. Lembrei do Lápis pois num dia destes, na casa de um amigo, me refestelei em um poltrona mole e escutei todo o LP Dia de Arlequim, único cisco do músico, gravado em 1975.
Da experiência ficaram duas resoluções: ganhando na loteria, vou comprar uma poltrona destas. Vi que um original vale um carro popular. Mas é a cadeira ideal para se jogar no antigo ritual de escutar um disco inteiro.
A outra é mais urgente e coletiva: se não podemos mais ouvir o silêncio dos passes de Assis, precisamos ouvir mais e melhor a música de Lápis.
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