Chegou-me agora às mãos, com um certo atraso, um dos melhores discos e com certeza o mais engraçado de 2010. A descontração aparece já no título da bolachinha: Feijão no Dente. É obra do talentoso e bem humorado compositor e cavaquinista Julião Boêmio. O disco foi lançado em janeiro, durante a Oficina de Música de Curitiba, junto com outro disco, o Bandolim, do Daniel Migliavacca, e o show de lançamento contou com as participações pra lá de especiais da Orquestra à Base de Sopro e do clarinetista italiano Gabriele Mirabassi.
Como acontece sempre em Curitiba, se você perde o lançamento não se sabe mais qual será a outra oportunidade para conseguir o disco. E como este desprestigiado colunista recebe poucos trabalhos dos músicos locais, demorou quatro meses para que eu conseguisse ouvir esta preciosidade do Julião, que tem qualidade correspondente ao seu (dele) tamanho.
O talento deste músico não é apenas engraçado, é impresionante, é surpreendente, como acontece a cada faixa que ouvimos. Nota-se a condução do choro clássico por caminhos modernos e inusitados. Cada música é um experimento. Como escreve o pianista André Mehmari na apresentação do CD: "Está tudo ali: um instrumentista de mão cheia, compositor ousado que ao mesmo tempo brinca, desconstrói e reverencia a rica tradição que o criou. Boêmio tem os instintos musicais no lugar certo e uma inventividade incomum". E "teje" dito!
Vamos primeiro à parte engraçada. Cada título de música é uma piada, uma incrível história, um flerte com o cotidiano que só quem tem humor percebe, observa e passa adiante numa roda de bar, regada a muito choro. Alguns desses títulos: "Chega de Boemia, Cachaça Só de Dia", ou "O Rolo de Macarrão de Dona Antônia Depois da Enchente", tem a "Meia do Bozo" e, a ultima do CD, "Pegando Piolho na Rodoviária". O mais engraçado é que cada título desses corresponde a uma história real. Não há espaço aqui para contar todas, então vai só a última, a do piolho, narrada pelo próprio Julião:
"Eu ia participar de um concurso em São Paulo e, como estava sem grana, decidi ir de ônibus. Cheguei à rodoviária com muito sono e resolvi tirar uma soneca num dos bancos. Quando acordei, vi que meu cabelo (na época, eu tinha os cabelos bem compridos) estava em cima de um mendigo que dormia no chão. Olhei a cena, entrei no ônibus e fui. No trajeto, minha cabeça não parava de coçar. Quando vi, era piolho!!! A música começa num ritmo ameno, lembrando o momento em que eu estava dormindo e fica acelerada quando o piolho come solto, terminando num ritmo agitado, momento em que o piolho dá tchau pelo ralo depois de tomar um banho adequado."
Esse espírito galhofeiro está presente musicalmente em composições e arranjos espirituosos e vibrantes. Mas trabalha-se sério para conseguir o clima. Estuda-se muito e compõe-se superando desafios. Há músicas primorosas, como "Limão no Sovaco", um painel musical de múltiplas possibilidades e sonoridades que vão se sobrepondo e uma instrumentação que reúne piano com viola caipira, bandolim com violino, cavaquinho com berimbau. Tudo devidamente costurado sem se perder o fio da meada. Outro destaque para mim é "Mandando Vento", um choro de execução difícil, feito para saxofonistas brilharem, e, neste caso, foi Rodrigo Capistrano. A gravação ainda realça a participação do percussionista Marcus Suzano e seu incomparável pandeiro.
Há muitas músicas boas, como "Cafezinho na Cozinha da Vizinha", "Chega de Boemia, Cachaça Só de Dia" e a difícil "Feijão no Dente". Para citar só mais uma, destaco também o maxixe "O Rolo de Macarrão de Dona Antônia Depois da Enchente", em que brilham os duos de clarinete (Daniel Miranda) e flauta (Gabriel Schwartz) no contraponto do cavaco, acompanhado pelo tradicional agrupamento do choro e uma percussão de primeira.
É um disco pra lá de bom e engraçado. Triste que eu não falei dele antes.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura