A prisão do folclórico Gilda motivou a criação do Bloco do Cadáver, que fez história no carnaval| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo

Anos antes de Curitiba ter a marcha dos zumbis, houve o Bloco do Cadáver. Sim, o carnaval curitibano já teve outros (vários) blocos de sujos antes do Garibaldis & Sacis. Desfilavam como parte da programação oficial do carnaval curitibano, lá na Marechal Deodoro, para onde felizmente a festa volta neste ano.

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Vou contar uma passagem do Bloco do Cadáver, mas, como não pedi permissão para ninguém para expô-los, vou omitir quase todos os nomes.

Em um ano muito muito distante, em uma cidade muito diferente, surgiu por iniciativa de alguns pândegos a Banda Polaca. Porém, logo ela foi dominada pela mão de ferro do então presidente da Boca Maldita. Como todos sabem, em Curitiba até o carnaval tem de ser comportado e os mais conservadores não toleram diversidade. Como diz uma música cantada pelo Garibaldis & Sacis, "Carnaval em Curitiba tem de ter alvará".

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Na época da Banda Polaca, existia na cidade uma figura folclórica, a Gilda, um gay que podia ser tanto divertido e bem mais incômodo que o Palhaço Sombra. Gilda também costumava ficar pela Boca e, sem camisa, peito peludo, barbudo e com batom vermelho na boca bêbada abordava transeuntes distraídos com o seguinte bordão: "Uma moeda ou um beijinho".

Pois a Gilda decidiu por conta própria, no que foi apoiada por amigas e boêmios liberais, que seria a rainha da Banda Polaca. O presidente da Boca Maldita da época, homem conservador e influente, mandou prender a Gilda para dar tranquilidade ao bloco. A notícia correu mais rápida que "meme" do ainda não nascido Facebook. Virou viral nas rodas boêmias de antanho.

Jornalistas, publicitários, bebuns e agregados decidiram fazer um movimento de protesto e desagravo à Gilda. Surgia o Bloco do Cadáver, que, antes mesmo de existir concretamente na prática, foi inscrito para concorrer e desfilar entre os blocos de sujos do carnaval de Curitiba em uma Marechal Deodoro lotada de gente.

A concentração do Bloco do Cadáver foi na antiga sede do Bar Capelle, poucas horas antes de começar o desfile. Uma psicóloga que mais tarde viria a ser secretária de estado do Paraná foi a nossa "carnavalesca", criando fantasias com sacos de lixo e adereços de isopor. Em uma das mesas, os "compositores" adaptavam a versão de uma antiga marchinha, usada para sacanear um ex-governador, para agora sacanear o presidente da Boca Maldita.

Uma colega jornalista aproveitou que tinha fraturado a clavícula e estava toda engessada, para ser um dos destaques do bloco. Ao nos dirigirmos para a avenida, encontramos um carrinheiro catador de papel que rapidamente foi integrado à trupe com seu "carro alegórico". Uns três instrumentistas de escolas que estavam por perto foram "contratados" para fazer o batuque. Chegamos no exato momento em éramos anunciados nos autofalantes e lá fomos nós para o desfile, todos muito animados, cantando a seguinte marchinha:

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"O Anfrísio estrebuchou / Foi enterrado pelo Bloco do Cadáver / e a Boca Maldita chora de emoção / Matamos o Anfrísio e tiramos a Gilda da prisão / o Anfrísio estrebuchou …"

O "puxador do samba", um fotógrafo, foi ao microfone e, nitidamente emocionado (ou um pouco alterado), errou a letra e usou a original, que sacaneava o ex-governador, no que o presidente da Comissão Organizadora do Carnaval, jornalista e músico que era amigo de todos do bloco não teve dúvidas, pegou o microfone e ele mesmo cantou a letra correta.

Por tudo, já era um desfile memorável, mas o melhor ainda estava por vir. Ao final, quem aparece? Ninguém menos que a homenageada, a Gilda, que tinha saído da prisão. A euforia foi tanta que o Bloco do Cadáver decidiu dar meia volta e retornar triunfalmente na contramão do desfile. Ou seja, fomos e voltamos, para desespero da organização e ódio dos blocos que esperavam para também desfilar.

Por fim, creio que não tenha sido pela influência do presidente da Comissão amigo nosso, mas nossa inquestionável qualidade como sambistas e carnavalescos foi reconhecida e ficamos com o primeiro lugar, com direito a receber uma grana que patrocinou algumas festas da turma do Bloco do Cadáver. Evoé! Seja bem-vindo de volta à Marechal, carnaval curitibano.

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