Não há escapatória. Há um único e obsessivo assunto no país e não serei eu que vou desconversar. As Copas do Mundo assim como a música funcionam como vírgulas nos períodos compostos de nossa encarnação. Um gol ou um riff de guitarra trazem o tempo de volta.
Em 2010 eu passei a escrever neste diário, exatamente cobrindo o espaço de colegas que estavam na África do Sul. Vi a derrota para a Holanda em um sofá verde, e depois sentei nele em outras derrotas até que, como o corno da anedota, resolvi trocar de sofá. Foi o ano em que morreu o grande Ivo Rodrigues.
As rádios tocavam o primeiro disco do Motorocker em 2006. A Copa teria sido a mais triste de todas se eu não tivesse conhecido uma DJ de olhos verdes que bagunçou a infraestrutura do meu barracão. Em campo, a mais infame das seleções, exceção feita a Juan que parecia jogar de polainas como um baterista negro do Cotton Club.
Nas ruas, a gente se sentia bem em 2002. Dava para escolher entre a sofisticação do Wandula e da Poli, ou ver de perto o auge da Relespública e do Pelebrói Não Sei? em alguns bares do São Francisco. Um tempo de exageros. Fartura e torpor nas partidas da Alemanha, com mesas postas e torneiras abertas aos bárbaros no Bar do Alemão. Tive a sorte de ver o primeiro jogo de Felipão comandando o escrete em Montevidéu. Dali até a final deu-se uma sucessão de grandes momentos que olhando aqui de cima era só o início do fim dos melhores dias.
Em 1998, depois dos jogos, íamos ver shows do Resist Control na pista de skate em Pontal do Sul. Na véspera da final, caí de cama com alguns sintomas misteriosos, exatamente como passou ao nosso principal atacante.
1994 foi um show do Pinheads no Syndicate. O título de tetracampeão foi uma pedra cantada na grande música "Era Dunga", de Edilson del Grossi e Trindade: "Dessa vez não deu mas nos EUA vai dar ", dizia o refrão profético e fatal. E havia Romário.
Tinha a companhia de um bom cachorro vira-latas que um dia me seguiu do colégio para casa e logo foi apelidado de Totó Schilacci no mundial da Itália em 1994. Menino bom e justo não percebi como Maradona e os seus mereceram a vitória contra a nossa avacalhada seleção. Fiquei puto, quebrei algumas louças e posso até ter chorado numa manhã ensolarada ali na Rua 21 de Abril. Por sorte, tinha a rádio Estação Primeira.
As outras duas Copas ocorreram durante o período mágico da infância. As memórias são lindas e exageradas. Vi o gol de Maradona em 86 do mesmo jeito que eu sempre olhei as mulheres uma mistura de paúra e fascínio. Lembro-me dos gols de Josimar narrados pelo Osmar Santos ("assina que o gol é teu, meu garotinho...") e de meu pai secando os pênaltis ("ih, este zagueirão vai chutar pra fora...").
A Copa de 1982 foi um filme de Fellini. Meu pai como protagonista. Democracia, os supertimes do Atlético e do Telê. Tudo ao mesmo tempo. Numa Curitiba quase rural, masquei milhões de gomas Ping-pong para completar o álbum com meus irmãos que, na época, tinham asas e sabiam voar.
Pequenas multidões se formavam para ver o menino de quatro anos que sabia de cor todos o nome dos jogadores camoroneses, argelinos e neozelandeses: "Tem que levar este piá no Silvio Santos...", dizia uma tia. E até os canalhas choraram naquela derrota.
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