Em Curitiba há muitos carnavais. E todos eles divertidos e com boa participação de público. Mesmo assim, há dezenas de anos repete-se a história de que a cidade não tem carnaval. Não é verdade. O fotógrafo e escritor Cid Destefani nos mostrou em sua coluna "Nostalgia", nesta Gazeta do Povo, no último domingo, que há muitos anos o curitibano já promovia suas festas públicas à fantasia antes, durante e depois do carnaval.
Nas últimas semanas os facebooks da vida têm postado reminiscências de coisas como Banda Polaca, Bando do Porco, Bloco do Cadáver, manifestações planejadamente desorganizadas e espontâneas do carnaval de Curitiba dos anos 1980, das quais participei em alguma medida. Sim, já fui campeão de turma de sujos do carnaval de Curitiba com o Bloco do Cadáver. Plagiando o Ozzy Osbourne, certamente tenho muito a dizer sobre esses carnavais da minha vida, mas não me lembro o quê.
A comissão de carnaval da Fundação Cultural de Curitiba já foi presidida pelo chargista, artista plástico e escritor Dante Mendonça. A decoração carnavalesca já foi feita pelo artista plástico, desenhista e poeta Solda. Compositores conhecidos da cidade disputavam a honra de escrever sambas-enredos para as escolas. O que mostra que havia uma adesão intelectual da cidade à folia.
Mas não era fácil quebrar a rigidez e a frieza curitibanas. Eu mesmo, uma vez, fui ver um desfile, quando ainda era na Marechal Deodoro. Tamborim na mão, chega o compositor Grafite, filho do grande Lápis. Ficamos ali esperando um tempão o início atrasado até que entra a primeira escola e nós, que estávamos a fim de agito, logo nos levantamos e começamos a dançar. Começo a sentir coisas batendo nas minhas costas. Olho para trás e vejo as pessoas nos atirando sacos de pipoca e pedindo para que sentássemos porque eles queriam ver o desfile sentados.
Em outra ocasião, a trabalho, fui cobrir o baile de abertura do carnaval de Curitiba. Era 1986, Roberto Requião assumia como prefeito e levava todo aquele mau humor para o baile. O convite vinha com tantas restrições de cerimonial, que só faltava dizer para as pessoas que era proibido se divertir. A entrega da chave da cidade para o Rei Momo era parte da solenidade e Requião a cumpriu com indisfarçável desconforto, com aquela cara de "o que eu estou fazendo aqui?".
Foi nessa época que o brilhante publicitário Ernani Buchmann criou a campanha para que, em vez de carnaval, Curitiba promovesse um "festival de inverno", com música clássica. Sim, festival de inverno, porque Curitiba é fria até no carnaval, dizia. Uma brincadeira bem-humorada, que valeu por muitos anos, mas intempestiva, se repetida agora.
Alguma coisa aconteceu do fim dos anos 1980 até a virada do século, que quase matou o carnaval curitibano. Tentaram restringir a festa. A "passarela do samba" passou da Marechal Deodoro para o Centro Cívico (local mais apropriado a paradas militares). Cogitaram até em jogar o desfile apenas para a periferia, livrando o centro da "complicação".
Nós, os "intelectuais", fizemos que não era conosco e nos afastamos. O centro, desocupado, sem festas e sem alegria, foi perdendo espaço para a violência e o abandono. Mas veio o novo século e, devagarinho, em ritmo de samba-canção, os encontros públicos da cidade foram sendo retomados das mais diversas maneiras.
Há uma dúzia de anos surgiam, quase juntos, o Psycho Carnival e o bloco Garibaldis e Sacis, que, com ritmos diferentes, agitam dezenas de milhares de pessoas no carnaval de Curitiba. Aos poucos, lutando com o pequeno apoio e a falta de organização, as escolas de samba se renovam. Pessoas que brincam no Garibaldis e Sacis e mesmo no Psycho Carnival, aprendem a respeitar e até a participar ativamente das escolas. E o bom samba nunca parou de ser feito em Curitiba, com todas as suas vertentes.
Parece que a cidade, mesmo que os governantes de plantão ainda não tenham percebido, retomou a alegria de brincar na rua e nessa retomada o carnaval é essencial.
Sim, ainda estamos reaprendendo a fazer tudo de maneira alegre, criativa e sem confusão.
Carnaval sempre foi sinônimo de excesso, mas que ele fique mais no bloco hedonista do que no da violência.
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