• Carregando...
 | Ricardo Humberto/
| Foto: Ricardo Humberto/

Ainda março, ainda música.

A música clássica, como todas as artes, tem um déficit gigantesco de presença feminina. Pelas mesmas razões de todas as outras artes. As mesmas razões contra as quais essa nova geração de feministas ainda se bate, em pleno século XXI.

Quanta música genial terá sido perdida porque uma moça com talento pra composição não teve condições de seguir uma carreira profissional…

Talvez o maior de todos os exemplos seja Clara Wieck, pianista prodígio na Alemanha do começo do século XIX, que aos oito aninhos conheceu um outro pianista, de dezessete, que se tornaria seu marido dez anos depois.

O homem que a faria mudar de nome para Clara Schumann.

Clara, antes, durante e depois de seu casamento com Robert, teve papel central na música do seu tempo. Como concertista, como “agenciadora”, como influenciadora do marido e dos músicos que o cercavam (em momentos diferentes, Liszt, Chopin, Brahms…). Ela pode muito bem ter sido o único amor da vida de Brahms, 14 anos mais novo.

Ela compôs. E nem tão pouco assim.

Passei boa parte do mês de março ouvindo sua obra para piano solo. E, crianças, aquilo é deslumbrante. E só aumenta aquela tristeza retrospectiva do que “poderia” ter sido.

Há uma carta do próprio Robert Schumann em que ele se derrama em elogios a algumas composições recentes da esposa e então se pergunta, como perguntamos nós, quanta música deixaria de existir graças ao fato de que aquela compositora tinha que cuidar dos filhos e de um marido que, nas palavras dele mesmo, vivia “no mundo da fantasia”.

Ele estava a UM passo de reconhecer o problema e FAZER alguma coisa para contornar.

E ele próprio entendia muito de limitações e carreiras truncadas, tendo se tornado compositor apenas depois de uma lesão ter impedido sua carreira de concertista. Mas o mundo, e aquele Robert, simplesmente não estavam preparados para dar o passo seguinte.

E sabe o que é ainda mais triste?

Parece que nem ela estava preparada para reconhecer essa “opressão”. É como se a ideologia machista daquele tempo fosse tão dura (e não é até hoje?) que ela nem pensasse em “protestar”.

Ela viveu sua vida. Cuidou do marido com seus problemas mentais, cuidou de um filho que herdou esses problemas. Enterrou aquele marido e vários filhos. Assumiu a guarda dos netos.

Influenciou meio mundo musical alemão. Deu concertos de sucesso, da infância até a maturidade.

Mas a falta daquele último passo no tão liberal mundo do romantismo alemão nos privou de muito.

E é isso.

É isso que se perde, no fundo, quando se desconsideram as mulheres. Quem perde são elas, claro. Mas quem perde, no fundo, é o mundo.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]