Dia desses circulou na internet um vídeo de uma menina que descobriu que tinha dez ascendências diferentes. Bem bonitinho. Pra quem é brasileiro, ainda mais aqui no sul, nada de muito absurdo, no entanto. Isso mesmo levando em consideração certas ilusões de “pureza” racial nesse mais impuro dos países.
Tempos atrás um jornal inglês soltou um texto em que falava da progressiva miscigenação da humanidade, dizendo que em breve o mundo todo pareceria brasileiro. Bege. Marrom. Misturado. Pra mim, é mais um dos casos em que a gente andou lendo errado a famosa frase de Stefan Zweig. Acho mesmo que quando ele disse que “O Brasil é o país do futuro” estava pensando menos no momento em que ultrapassaríamos o “primeiro-mundo” e mais no momento em que aquele mundo se pareceria conosco. Etnicamente. Culturalmente.
De minha parte, nem tem graça.
Eu pareço negro o suficiente pra que mais de um racista já tenha se dirigido a mim com termos ofensivos. Pareço mestiço o suficiente pra ser apenas brasileiro. Mas pareço não-branco o bastante pra sempre gerar a pergunta “mas você não NASCEU em Curitiba…”. (Sim. Nasci sim.)
Tudo bem que fenótipo e genótipo nem sempre andam tão lindamente de mãos dadas. Você pode ser fisicamente “branco” e ter mais sangue “negro” que um camarada de pele mais escura. E vice-versa.
Mas, pra mim, na minha família, a gente sempre meio que soube que a mistureba era a regra. Índios (charruas, segundo a lenda familiar), negros, europeus (meu nome do meio é uma corruptela do italiano Valdrighi). Dos dois lados da minha família eu sou estrondosamente brasileiro. Quando, ano passado, acho, soltaram uma lista de nomes de judeus convertidos na Espanha do século XV e Galindo estava lá, a gente brincou que agora só faltava encontrar nossos antepassados coreanos.
E eu acho isso tudo perfeito.
Mas ainda mais perfeita é a história do dia em que eu tive uma mãe japonesa.
A história dos dias, na metade dos anos 50, em que sabe-se lá por meio de que tipo de convite, minha mãe, Iracema, e sua irmã Itamira participaram de um espetáculo de circo aqui na gloriosa metrópole da luz dos pinhais.
Duas caboclinhas com nomes nativistas (meu avô deu nome a tantos filhos que pode ter “fases”), com os olhos que já eram enviezados por aquele sangue indígena agora repuxados por uma fita durex que a maquiagem pesada tentava disfarçar, de quimonos floridos e coques bem presos para fazer o cabelo preto parecer liso…
As duas ali, noite após noite, cantando lado a lado uma musiquinha “japonesa” (falsa? vira-lata?) que até hoje eu sei de cor.