Barack Obama foi o primeiro presidente dos Estados Unidos a ter um retrato tridimensional oficialmente realizado.
Os cabras foram lá no salão oval (quer dizer, sei lá eu se foi no salão oval, mas é que fora isso eu também não sei o nome de outro lugar dentro da Casa Branca) e tipo escanearam a laser a fuça do presidente pra gerar um modelo digital que vai ficar armazenado.
Aprovo.
Imagina só as pessoinhas de, digamos, um século pra frente, em sala de aula, tendo a possibilidade de ver, não só um “retrato”, mas como que um molde da cara do presidente.
Admiro.
Claro que a coisa do modelo em 3D da cara de uma pessoa real não é nova. O que é novo é o método de leitura dos traços e de armazenamento da informação. Até um tempo atrás, no entanto, o mais simples era lambrecar a cara da pessoa com alguma coisa meio oleosa (pro molde sair mais fácil) e depois chapiscar tudo de barro ou coisa do gênero, pra fazer uma forma negativa da cara, que aí você usava pra fazer uma “máscara”.
Pelo mero fato de que o modelo ideal dessa técnica tem que ficar muito tempo imóvel e, de preferência, sem respirar, o que corria até o risco de matar o indivíduo, ela era mais tipicamente usada com gente já morta, que tende a não reclamar muito. E vai sem dizer que, como no caso da máscara do Obama, os maiores “usuários” de uma técnica lenta, trabalhosa e, por isso mesmo, dispendiosa, eram pessoas famosas. Políticos, artistas… As pessoas que, também por isso mesmo, a gente mais ia querer “ver” nesses moldes, décadas ou centenas de anos depois de sua morte.
A máscara mortuária de James Joyce, por exemplo, sempre me impressionou (e essa eu vi pessoalmente): o quanto o homem estava envelhecido, cansado… acabado mesmo, ainda antes de completar 60 anos.
Mas o culto à personalidade parece sempre ter sido mais forte entre os músicos. E o universo das máscaras mortuárias de compositores é impressionante. Pode olhar online (procure por death mask)…
A bem da verdade, em alguns poucos casos a gente tem até máscaras feitas em vida. Uma roliça carantonha de Haendel, por exemplo.
No caso de Beethoven sobraram as duas. Uma máscara feita em vida e outra feita após a autópsia. Pouca coisa pode dar melhor a dimensão do que foi o sofrimento dos anos finais do compositor do que a diferença entre esses dois “retratos”… O homem envelheceu o dobro dos 20 anos que separam aquelas duas caras…
A máscara de Bruckner, em comparação com a monumentalidade da sua música, parece quase uma piada. Um velho velhíssimo, mirrado, banguela…
A de Chopin só acrescenta mistério. Estranha, aquela cara. Aquele homem feio e bonito. Simples e complexo.
Mas as duas minhas preferidas acho que são as de dois compositores de que eu gosto mais. E são as duas (dessas que decidi citar) em que mais se vê uma mão de “artista”, mesmo em se tratando de um processo aparentemente objetivo como o do molde da máscara.
A de Alban Berg parece poesia. Combina com a música dele. É quase lírica, como se ele estivesse relutando em sair de uma pedra bruta. Parece Michelangelo.
A de Gustav Mahler no entanto é a mais tocante. Primeiro porque se trata quase de um busto. Rosto, pescoço, uma parte dos ombros de um homem muito magro, seco, tendinoso. Um homem com corpo de nadador, musculoso, segundo relatos de época, mas com menos de 1,60 metro de altura.
Tocante primeiro por nos lembrar que ele estava nu sobre aquela mesa. Segundo por nos forçar a ver um corpo quase vivo, forte, que parece lutar. Um homem de 51 anos morto de fadiga.
O pai de uma filha morta na infância, o autor das Canções de Crianças Mortas.
Há um busto dele feito por Rodin.
Um grande artista retratando um grande artista.
Mas aquela máscara, como o retrato de Obama, me parece ser história. Ser vida. Mesmo em morte.