• Carregando...
 | /Ricardo Humberto
| Foto: /Ricardo Humberto

Dia desses me deu um não sei quê e, no meio de trocentas mil coisas que eu de fato TINHA que ler, decidi que era hora de reler “Moby Dick”. Acabei meio lendo meio ouvindo, em audiobook, durante faxinas e passeios com o cachorro.

Nem um segundo de arrependimento. Um livro incrível. Da primeira frase ao epílogo.

A primeira frase, que dá título a essa coluna, vive sendo escolhida como preferida de onze entre dez escritores. Esse é o nome do narrador? Por que escolher esse nome? Porque começar a narrativa por essa informação truncada?

Pra nós, tradutores, é também um problema clássico. Por causa da MALDITA (desculpa as maiúsculas: é a fúria), regrinha IMBECIL (de novo, desculpa) que diz que a gente não pode começar frase com pronome átono (outro dia falo mais disso), ninguém ia ter a coragem de começar um livro inteiro com um “me”. E “Chame-me” fica feio pacas!

(E, pior, é segunda singular? E se for “Me chamem”? E se for biblicamente “Chamai-me”?… Mais problemas.)

Mas entre essa frase e aquele epílogo, centenas de páginas depois, tem simplesmente de tudo. Pastiches de teatro shakespeareano, ensaios, listas de entradas de dicionários, divagações antropológicas, taxonômicas, geológicas e éticas, romance gótico, romance de aventura, crônica de viagem, prosa elevadíssima e conversa baixa de marinheiros…

Camaradas, o livro saiu em 1851, antes de “Madame Bovary”, antes de “Crime e Castigo”… e é mais “vanguarda” que cada um desses livros.

Inapreensível na forma, inapreensível no conteúdo!

Como disse E.M.Forster, um dos primeiros defensores do romance, que não fez sucesso nenhum quando saiu, “Moby Dick” é cheio de significados, o que a gente não entende é qual o seu Significado.

O que representa a baleia branca?

Por que eu leio aquele romance e só penso em “Grande Sertão: Veredas”?

Mais ainda, como pode um livro escrito século e meio atrás, milênios antes de nós em termos de consciência ecológica, tratar baleias como “monstros” que precisam ser combatidos e ao mesmo tempo continuar legível?

Mais ainda, como pode um livro escrito século e meio atrás, milênios antes de nós em termos de consciência ecológica, ir gradualmente empatizando com as baleias, quase divinizando aquelas criaturas que mesmo assim é dever das personagens matar pra que, nas palavras do narrador, “os homens possam iluminar as igrejas onde vão rezar pela paz”, usando velas de esparmacete onde “sempre haverá ao menos uma gota de sangue”.

O navio onde se passa a história se chama Pequod, palavra de significado obscuro. Seus donos são quacres, os maiores dentre os pacifistas. Como pode eles viverem da morte?

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]