A coisa é um tantiiinho mais complicada que isso. Mas vem comigo dar uma simplificada que rola.
Andam questionando recentemente aquelas ideias mais radicais de lateralização neurológica tipo “o lado racional” contra o “lado artístico” do cérebro. Mas parece restar alguma base pra afirmação de que embora a “compreensão” linguística se dê nos dois hemisférios, só o hemisfério esquerdo é capaz de elaborar sintaxe, frases: pôr as coisas em ordem e expor.
Ok?
Os dois entendem, mas só o esquerdo “fala”.
Aí os caras fizeram um experimento: você põe uma divisória na frente do cabra pra ele enxergar uma coisa com cada olho. Aí o que você mostrar pro olho direito só o cérebro esquerdo vai “ver” (lembre que o cabeamento é todo cruzado: tirando os ouvidos, tudo que é do lado direito vai pro cérebro esquerdo e vice-versa). E vice-versa.
Aí você põe vários objetos diante do olho direito, que está em comunicação só com o hemisfério esquerdo, o “falador”.
Diante do olho esquerdo, que passa informação pro lado direito do cérebro (aquele, que entende mas não fala nada), você só de sacanagem põe uma plaquinha que diz: “pegue a bola azul”.
Sacou?
O cara, claro, pega a bola azul.
Mas aí é que vem a perfídia do experimentador. Porque eles perguntam pro sujeito: “porque você pegou a bola azul?”
E o negócio é que ele recebeu a ordem (o hemisfério direito entendeu a plaquinha), mas a parte do cérebro que sabe explicar racionalmente e expor as coisas como frases não tem dados: ela não viu a placa: ela não “sabe” nada.
Ela viu os objetos e aí viu a mão esquerda (comandada pelo hemisfério “mudinho”) pegar a bola. Mas ela não sabe por quê!
Tipo o departamento de fornecimento de explicações ficou na mão!
E aí que que acontece?
O cara diz: “putz, sei lá, mó estranhão”?
Não!
Repetidamente o que se vê são os indivíduos apresentando, sem titubear muito, altas explicações racionais tipo: “eu tenho uma marcada preferência pela cor azul”, ou “a bola estava prestes a cair da mesa”, “fiquei curioso para conhecer a textura da bola azul”…
Deu pra entender? Eles não constatam o fato real. Eles não dizem que não têm a menor ideia. Eles mentem e explicam bem direitinho.
Eles, a gente, eu, você.
Nós somos viciados em explicações. E a gente inventa qualquer patranhada pra explicar coisas que no fundo são mero fruto do acaso. Ou coisas que de alguma maneira resistiriam a uma “explicação” “racional”.
Depois da coisa acontecida, a gente sempre tem uma história.
E a gente acredita nela.
De verdade.
Por que foi mesmo que você escolheu a tua carreira?