| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

2015 foi o ano da guerra de gêneros.

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Eu, mais ou menos recém-chegado ao Facebook, por exemplo, pude acompanhar nos debates que rolaram ali o que claramente é o surgimento de um novo feminismo. Um feminismo em parte derivado do pasmo de a gente ainda precisar de um “movimento” feminista no ano da graça de dois mil e quinze palitos.

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Foi o ano em que eu li “Sejamos todos feministas”, de Chimamanda Ngozi Adichie. Foi o ano em que eu dei “Sejamos todos feministas” pra minha filha. Foi o ano em que o governo da Suécia decidiu dar a TODOS os suecos de 16 anos de idade um exemplar de “Sejamos todos feministas”.

Foi quando a minha filha de 18 anos conheceu mais de perto, na universidade, essa mesma batalha de gêneros; e se envolveu mais com ela. Pra mim, nada mais adequado do que fechar este dezembro com a descoberta de Elena Ferrante.

Começou como a mesma história de sempre: aquele livro que todo mundo acha o máximo, e aí você vai deixando pra depois. E ainda tinha o fato de que eu queria ler em italiano, e só fui conseguir os ebooks com a ajuda de uma aluna (grazie!).

Segundo porque a tal “tetralogia napolitana” (ainda nem terminei o segundo volume) é um impacto safado. Poderoso mesmo.

Muito por causa da estrutura, emprestada do novelão multipersonagem à la “Guerra e Paz”; muito por causa da linguagem, seca e mais-que-objetiva, que dá conta em meia página de cenas que teriam rendido resmas a escritores mais “descritivos”; muito por causa da construção de personagens, especialmente da incrível e incompreensível Rafaella, ou Lina, ou Lila Cerullo.

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E isso já bastaria pra render um belíssimo romance (no caso do primeiro, que por aqui se chamou “A amiga genial”).

Mas o negócio é que, no meio da leitura, conversando com a Sandra, eu me dei conta de que aquele era o primeiro “romance de formação” que eu lia (e já li não poucos), integralmente narrado do ponto de vista feminino. Um romance da formação, da construção de uma mulher.

E eu pensei com os meus botões (e com a minha mulher), cazzo!, a gente está (cf. supra se ainda resta dúvida) em 2015! Como é que não tinha um grande romance de formação feminino!

Como é que isso ainda parece novidade!?

E enquanto eu ia lendo, na medida em que as meninas (as amigas Lila e Lenu) vão envelhecendo e seus problemas deixam de ser de menininhas e passam a ser de adolescentes, eu ia percebendo que aquele mundo me era todo deliciosamente enviesado: que eu, homenzinho vesgo, passei a vida toda vendo o mundo, literariamente, pelos olhos de outros homens, lendo as angústias da adolescência de pivetes acneicos pretensiosos; ou, por outro lado, encarando versões da “feminilidade” que expunham a mulher como um ser místico, especial, amalucado e “não-deste-mundo”: versões criadas por homens e mulheres, igualmente.

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Aqui eu tinha a maravilhosa experiência de ver a formação daquelas mulheres, num mundo (a Nápoles dos anos 50) que não era o meu, com angústias que eram no entanto irmãs e espelho das minhas.

Mais ainda, os livros têm uma coisa absolutamente genial e, em certo sentido meio lugar-comum, uma coisa absolutamente feminina, não masculinamente egoica. Pois se as mulheres são (e são mesmo) máquinas de empatia mais competentes que os homens, esse aqui é um romance de formação cujo maior foco é a AMIGA da narradora.

Um romance de formação do “outro”, do meu ponto de vista de homem.

Um romance de formação da “outra”, do ponto de vista do próprio livro!

Suspiro de felicidade aqui. Estou pasmado e aprendendo horrores.

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2015 é o ano das mulheres. Graças.

2015 pra mim terá sido o ano da misteriosa (ninguém sabe quem ela é) Elena Ferrante.