Eu conheço duas maneiras infalíveis de gelar uma conversa em grupo. Tipo deixar todo mundo com cara de janela em cinco segundos, sem vontade de viver e de te ouvir.
Uma é falar de etimologias, histórias de palavras.
Outra é mencionar música “clássica”.
Eu, pra azar de quem me conhece, gosto das duas coisas. Mas, vá lá, reconheço que a coisa da história linguística há de sempre ser campo pra menos gente, pra amadores devotados ou profissionais mesmo. Tudo bem.
Mas a pasmaceira que cerca a música clássica me incomoda. Porque ela não devia existir. Porque não tem motivo pra elitismo ou exclusão, apesar de o próprio ritual dos concertos ser às vezes meio metido mesmo. É um patrimônio gigante, que devia ser conhecido (e bem conhecido) por muito mais gente.
E ele às vezes é (conhecido por muito mais gente) e você nem sabe. E eu não estou nem falando de peças que são tão famosas que até que nem curte música de concerto reconhece. Coisas como a Nona Sinfonia de Beethoven, ou Jesus, Alegria dos Homens, de Bach. Estou falando de coisas que as pessoas nem sabem que são originalmente música de concerto.
Quer ver?
Sabe aquilo que as pessoas chamam de Toque Nokia? A musiquinha mais popular em nove em cada dez celulares antes da entrada massiva do iPhone em cena?
Aquilo não foi composto por algum músico de estúdio publicitário em Nova York. Aquela musiquinha saiu de uma Valsa Concertante do compositor Francisco Tárrega, o criador do violão de concerto moderno.
E “Don’t cry for me, Argentina”? Ou “Não chores por mim, Argentina”, sucesso do musical Evita, de Andrew Lloyd Weber, depois filmado com Madonna no papel principal? Lembrou, né?
Mas você sabia que o próprio compositor reconhece que a ideia central pro tema e pra harmonia da canção vem do terceiro movimento do Concerto para Violino em Ré Maior, de Johannes Brahms?
(Tudo bem que Brahms nem precisa de empurrãozinho, já que a canção de ninar mais famosa do mundo vem da sua “Wiegenlied”.)
E as marchas nupciais?
Você deve lembrar de duas, uma que a minha mãe pelo menos cantava com a letra “Lá vem a noiva / Toda de branco”… bom: essa é de Wagner e sai da ópera Lohengrin. E tem aquela outra, que faz “parapapá…. parapapá….”… essa é de Mendelssohn, e vem da música de cena para a peça Sonho de Uma Noite de Verão.
Mas o meu exemplo preferido vem do compositor ultra-romântico Rachmaninoff. Aquele, que uma vez seu “rival” Stravinski definiu como “um metro e noventa de pura melancolia russa”.
Vai lá.
Ouve o segundo movimento do seu segundo Concerto para Piano. Ouve e me diz se não é, cuspida e escarrada, a canção “All by myself”!
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