Todo mundo sabe. Quando começaram a desenterrar as cidades de Pompeia e Herculano, que na explosão do Vesúvio em 79 d.C. ficaram cobertas de cinzas, as pessoas encontraram, entre muitas coisas, paredes cobertas de pichações. Ou, pra ficar no termo mais chique, graffitti. Ou, pra falar bem a verdade, em muitos casos o equivalente dos “pixos” de hoje.
Tinha de tudo: poeminha, propaganda política, desenho erótico, xingamento e, como era supertípico nos tempos romanos, maldições.
Muitas. Muitas maldições.
A minha preferida é uma que evoca a ira de toda aquela renca de deuses e deusas contra quisquis hic mixerit aut cacarit.
“Quem quer que faça xixi ou cocô aqui.”
Mole?
E você, que mora no centro da cidade, não queria rogar essa praga às vezes?
Certas coisas mudam pouco.
Nas rampas da Reitoria, hoje, andam rolando umas batalhas de “pixos”, muito frequentemente em torno de questões de gênero. Uma delas, a minha preferida, é assim, ó:
Primeiro alguém foi lá e sapecou as palavras de ordem “quando uma mulher avança nenhum homem retrocede”. Sem a devida vírgula.
Aí alguém riscou “nenhum homem” e escreveu “uzomi” (que devia ser “uzômi”, na minha modesta) e um SIM no final. Ou seja, “quando uma mulher avança uzômi retrocede sim”.
Ao que a Tia Marocas interior de um novo pichador foi lá acrescentar o “M” de “retrocedem”. E de quebra (parece a mesma letra), sugeriu “os machistas” em vez de “uzomi”.
Mas aquela pessoa que corrigiu a informação, dizendo que os homens retrocedem sim, ainda chamegou a frase “trabalho com dados!”, pra dar uma autoridade à coisa toda.
Embaixo disso alguém escreveu um grosseiro “trabalha com XXXX”, editado aqui e borrado na própria parede posteriormente.
Essa frase estúpida ganhou o comentário “transe mais”, que por sua vez (com outra letra), foi complementado por um “será mais feliz”.
E ainda tomou um “não tem argumento.”
Vamos manter o nível da discussão,afinal!
Uma pessoa mais “artística” desenhou uma menininha (ou um menino de cabelo comprido?) segurando uma placa com a hashtag (mas sem o #) “sejem menas!”.
A Tia Marocas veio correndo e, com caneta vermelha e sem qualquer noção de senso de humor, corrigiu pra “sejam”, muitíssimo curiosamente deixando o “menas” exatamente como estava.
Uma pessoa foi lá e mandou um “não sabe brincá. devóuvi os hominho.” Acho que se referindo a um putativo gênero masculino presente naquele “sejem”.
A última flechinha puxada daquele “sejem” leva a um desenho de uma pessoa com a mão no rosto e outra hashtag (“facepalm”).
Vergonha alheia.
Mas a minha preferida é a pessoa que escreveu um arrazoado bem mais longo que defende que sustentar aquela posição, de que nada vai mudar no “status quo” da sociedade machocêntrica quando as mulheres ocuparem seu devido lugar, é na verdade se negar a fazer o que ela chama de “revolução feminista.”
Essa pessoa (e foi aí que ela ganhou meu coraçãozinho mirrado) termina o seu textão com um “esse grito de guerra é burrice, miga”.
Acho que foi a primeira vez que eu, velhusco e não exatamente conectado, vi essa coisa de “miga”. Achei muito bacana.
Agora, pra falar a verdade, eu mesmo nunca entendi direito o tal do grito de guerra.
O que ele quer dizer é, como entende a “miga”, que o avanço das mulheres não representará retrocesso dos homens? De repente nesse caso a leitura da comentarista pode ser mesmo interessante.
Ou (e foi assim que eu sempre li) quer dizer que os homens se negam a dar espaço (retroceder) para o avanço das mulheres? E nesse caso eu diria que o grito não tem nada de burrice.
Tudo bem que interpretação de guerra de graffitti é meio que uma batalha perdida.
Tudo bem que os arqueólogos que escavarem a Reitoria depois da erupção do Couto Pereira vão pirar com as nossas obsessões.
E vão, mesmo, poder deduzir coisas muito interessantes sobre a nossa sociedade e sobre as questões que ela enfrenta.
Mas, primeiro de tudo, será que precisava rabiscar a parede?
Uma das casas mais famosas de Pompeia é a chamada Casa do Poeta Trágico. Sabe o que tem escrito lá, num mosaico? CAVE CANEM. Cuidado com o cachorro.
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