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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Uma colega (oi, Ligia!) me disse que em certos meios politicamente corretos dos EUA as pessoas andam encrencando com a palavra “history”, porque ela parece conter um “his” (dele). Esse pessoal (estou exercendo grande autocontrole aqui pra não qualificar esse pessoal) prefere falar “herstory”: a história DELA.

Esse mesmo povo… “do bem” (olha o autocontrole de novo!) certamente não sabe que a palavra “world” (mundo) deriva do mesmo lugar de onde vem a nossa palavra “viril”. No protogermânico que deu origem ao inglês, o sentido de “world” era “lugar dos homens”.

Faz sentido brigar, hoje, contra “world”?

Claro que não. Imagina a HIStory, onde esse passado sexista é in-ven-ta-do!

Deixa eu deixar uma coisa bem claramente clara aqui.

Eu abomino qualquer tipo de preconceito, discriminação, sexismo, rotulação irracional etc.

Eu tenho certeza que a gente vive num mundo marcadamente machista. Que a vida das mulheres é sempre mais complicada que a dos homens. Que a nossa sociedade ainda tem milênios de dívida cármica a pagar.

O que eu não sei é se certas bandeiras dos movimentos que lutam contra essa situação não são na verdade um espantalho retórico. Se eles não estão lutando contra a cor com que o terreno é representado no mapa e deixando o território bem igualzinho.

Uma dessas coisas, e a mais relevante aqui no Brasil, por causa das características da língua que a gente fala, é a marcação de gênero.

Não vou nem entrar na complicação linguístico-estrutural que estaria envolvida em explicar definitivamente que o buraco é mais embaixo. Beeeem mais embaixo.

Vou só dizer com todas as letras: o que a gente chama (inadequadamente) de “gênero” biológico (a existência de um aparato reprodutor “masculino” ou “feminino”…. mas, ok, nem sempre é tão claro, anatomicamente… Mais ainda, nem sempre esse critério deveria ser o central…. Hmmm… Daí o “talvez inadequadamente” lá atrás…) não tem NADA a ver com o que a gente chama (inadequadissimamente) de “gênero” gramatical.

Ou “república” é coisa de mulher enquanto “estado” é de machinho?

Pra nem falar do que possa haver de “feminino” numa xícara, por exemplo. Sem nem lembrar que “leite” em espanhol é feminino, e “ponte” é masculino…

A conexão é NULA.

Aí o pessoal, mui simpaticamente, quer usar um X, uma @ (o que tem de masculino “o” X, e de feminino “a” @?) em palavras como ALUNXS…

Esse pessoal, extremamente bem-intencionado, tem TODÍSSIMO direito de fazer o que bem entender com a língua portuguesa, e deve mesmo seguir com esses usos. Virou símbolo. Virou marca de pertencimento. Maravilha.

Agora, de tempos pra cá tem começado a haver certa pressão pra que órgãos oficiais evitem formas pretensamente sexistas tipo “todos os alunos”.

Aí a coisa encrenca….

Porque essa “bandeira” afinal é só isso. E isso deveria ficar claro. Ela é como aqueles adesivos de “paz no trânsito” que podem estar no carro de qualquer psicopata das quatro rodas. Ela é só uma camiseta simpática com uma declaração de princípios. Cosmética.

Acreditar que isso muda o mundo é desconhecer, profundissimamente, o funcionamento das línguas.

É imaginar, por exemplo, que na Romênia, onde existe uma palavra não marcada para se referir aos seres humanos (enquanto a gente usa “os homens”), existe necessariamente uma sociedade menos sexista. Vai lá ver!

É esquecer que a tribo amazonense estudada pelo linguista John McWhorter (valeu pelo exemplo, Rodrigo!), onde os coletivos são todos femininos (eles diriam “todas as alunas” pra se referir ao grupo inteiro), trata as mulheres como pouco mais que animais de carga e reprodução.

Você pode, e deve, agitar as tuas bandeiras.

Mas saiba que é ISSO que você está fazendo. SÓ isso.

E que a batalha, de verdade, a batalha séria, urgente, continua comendo solta abaixo disso tudo.

Inalteradinha.

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