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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Os americanos têm lá essa manha, né, de se referir aos “produtos” culturais como high, middle ou lowbrow, conforme eles sejam de alto, médio ou baixo nível intelectual.

Bom… começa que essa estória toda já é curiosamente lowbrow, porque o significado literal das expressões se refere à altura da linha das sobrancelhas do caboclo!

Ãh?

Isso mesmo.

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Nos tempos em que as doudas ideias frenológicas de certo doutor Lombroso eram levadas a sério, as pessoas achavam que gente mais intelectualizada teria as sobrancelhas postas mais altas na cabeça, enquanto que um posicionamento mais baixo e mais projetado do cenho era sinal seguro de que o camarada lixava as unhas da mão no asfalto enquanto caminhava…

(Nota marginal aqui, será que sou só eu que acho engraçado que a Pinacoteca de São Paulo fique na Rua Cesare Lombroso? Hein? Será que sou só eu que acho insano ainda EXISTIR uma Rua Cesare Lombroso em São Paulo??

Levantemos apenas uma sobrancelha…)

Mas agora, depois da invasão das séries de TV de qualidade, tipo “Sopranos”, “Breaking Bad”, “Mad Men”… uma coisa bem pra lá de curiosa parece que está rolando nesse escalonamento de brows. Ou duas (coisas).

De um lado, a mera ideia de que justo a televisão, o patinho feio de todos os anatídeos desgraciosos, agora de repente é fonte de inspiração e de renovação pra arte narrativa.

Do outro, o fato de que depois de passar umas boas décadas sentados bem no meio dessa escala do middlebrow, alguns narradores, especialmente no mundo de língua inglesa (ou isso é só porque eu conheço melhor esse mundo) deram de se divertir ampliando as fronteiras desse meio. Levando o middle cada vez mais perto do high.

É um negócio curioso. Mas, como lembra um personagem de “Graça Infinita”, tem dois jeitos de colocar uma bandeira a meio mastro. Você pode baixar a bandeira, claro. Mas também pode erguer o mastro.

Sempre foi possível pegar um tipo baixo de entretenimento e sofisticá-lo. Mas em algumas daquelas séries (talvez especialmente em “Mad Men” [eu ainda não vi “True Detective”, ok?]) o que parece rolar é ou uma tentativa de usar as técnicas dos produtos culturais mais elevados de um jeito ligeiramente maquiado pra agradar mais gente (a velha técnica shakespeariana… faça neguinho roer as unhas com a trama e entupa o texto de simbologias, temas interconectados, filosofia, psicologia…), ou, o que me parece mais provável, uma sofisticação cada vez maior daquele meio, já confortavelmente estabelecido.

Sabe como?

Tipo que o meio do caminho virou ele próprio um caminho inteiro? E que agora de repente a gente pode ter um médio-baixo, um médio-médio, um médio-alto?

O livro que eu estou traduzindo agora (“City on Fire”, Garth Risk Hallberg, inédito ainda, mesmo nos EUA) negocia de umas maneiras bem interessantes essas fronteiras todas, por exemplo. E outra hora ainda te falo dele.

Mas o motivo mesmo de eu ter pensado em escrever essa coluna hoje, é que ontem eu terminei de ler “O Livro de Henrique”, segundo volume da “Trilogia Tudor”, de Hilary Mantel (“Wolf Hall” foi o primeiro).

E, camaradas, a mulher simplesmente dança a catira em cima de qualquer divisão de nível literário. Esses livros são o melhor “Game of Thrones” do mundo. São literatura de altíssimo nível e com um potencial viciante igual ao da série “Millenium”. E sem dragão!

Puta prosa linda. Uma trama duca. Uma narrativa supimpérrima.

Ela foi uma das três únicas pessoas a ganhar duas vezes o prêmio Booker, o mais prestigioso da Inglaterra. E a primeira a ganhar com dois livros consecutivos. Esses dois.

E o terceiro, diz que vem esse ano.

Eu, daqui, só posso te dizer: o inverno está chegando MESMO. Pode ir catar tuas sobrancelhas bem no alto da testa.

De pasmo.

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