Lembra do filme Sociedade dos Poetas Mortos? Tem uma cena em que o professor pergunta pra que surgiu a linguagem. Um aluno, bem treinadinho, responde: para comunicar. E o professor corneteia o CDF: não, a linguagem surgiu pra cantar mulheres.
Há lá um fundo de verdade.
Em termos de teoria da evolução, parece sólida a ideia de que a linguagem é um efeito colateral. Um velho argumento nesse sentido é inclusive fisiológico: as partes do corpo que a gente usa pra falar têm funções originais diferentes…
A ideia, neurologicamente, é que em algum momento (por razões que são discutidas) meio que sobrou capacidade de processamento no nosso cérebro. E a gente resolveu falar.
Sem contar que a ideia de que a gente falou pra “comunicar” coisas, tem também seus problemas. Como disse uma vez o psicólogo Robin Dunbar, de Oxford, tente ensinar alguém a fazer qualquer coisa prática usando só linguagem. Dá muito mais trabalho do que com demonstração!
Dunbar vai mais longe. Ele acha que a conversa, entre nós, ocupa o lugar do grooming entre os primatas superiores (aquela coisa de ficar catando parasitas da pelagem dos outros); ele acha que a gente falou, originalmente, por falar, pra ficar junto, pra solidificar laços sociais.
Só que isso, efeito colateral que era, gerou seus próprios efeitos colaterais: Machado de Assis. A declaração universal dos direitos humanos…
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A história da escrita também tem uma relação engraçada com isso. Porque em todos os casos de “invenção” de sistemas de escrita, o objetivo original era cem por cento prosaico e mané. Contabilidade. Registro.
Os usos “elevados” da literatura sempre foram meio que uma espécie de “subversão”. Era a população como que se reapropriando do direito de brincar, de usar a linguagem à toa, quando a escrita queria transformá-la numa coisa séria. E a escrita, gradativamente, foi sendo cooptada também pela esfera do “inutensílio”, como dizia o seu Leminski.
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John McWhorter, um linguista americano, acha que o SMS e o WhatsApp podem ser mais um passo nessa história. Porque pela primeira vez, na opinião dele, a gente está “conversando” (em tempo real, agilmente) via língua escrita. Ou seja, seria a cooptação final. A gente está agora fazendo a escrita servir pras coisas mais banais, imediatas, informais e sociais de todas.
Se a fala sempre teria sido isso, agora a escrita também serve ao mesmo papel da cata de piolhos nos macacos.
Papel MUITO importante.