Houve pouca esperança na Salete.
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Eu não sou analista político. Me sinto quase desconfortável escrevendo sobre coisas sérias. Eu sou ignorante. Desinteressado. Feiamente desatualizado.
Mas, diante dos fatos, dos relatos, precisa?
Ou qualquer um consegue enxergar? Até eu?
Enxergar que o grande responsável pela selvageria na praça foi desespero de um governo que, em função de sua própria incompetência administrativa, se vê agora num buraco financeiro que ameaça quebrar o Estado.
O único responsável.
Enxergar que é definitivamente monstruoso propor o saque de um fundo de previdência que vem sendo construído há décadas pelos funcionários, com a única finalidade de tapar um buraco gerado pela sua própria aparente incapacidade de fazer contas.
Irresponsável.
Enxergar que aquele milhar de soldados estava ali plantado para permitir que três dezenas de deputados votassem a favor de um projeto insanamente impopular e profundamente imbecil apenas com um olho esticado pra verbas que vão permitir que o governo (o governador só faltou dizer isso com todas as letras!) execute as “obras” no interior que garantirão a sua reeleição pra mais um mandato na ALEP.
(E virá, essa reeleição. Virá…)
Enxergar que o comando da PM, a Secretaria de Segurança e, sim, o senhor Governador do Estado do Paraná agiram de forma talvez criminosamente irresponsável naquela quarta-feira, ao permitir que aquela bizarria acontecesse.
Precisa ser especialista?
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Eu, aqui, em casa (covarde), ficava ouvindo as sirenes. Campo de guerra. Feridos. Ambulâncias indo pra praça e voltando pro Cajuru.
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Eu, aqui (covarde), em casa, vi na televisão que o cômputo de feridos do SAMU e da Prefeitura passava de 150. Mas que o governo (ora vejam só) apontava 40 feridos.
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Eu, aqui, vi (covardes) gente postando fotos de soldados sujos de um “sangue” dos seus ferimentos que parecia curiosamente um suquinho de frutas… E que lhes deixava cuidadosamente a farda limpa… só sujava a pele…
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Houve pouca esperança na Salete.
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E no entanto houve aqueles 17. Ou 50.
Enquanto eu escrevo, ainda na quinta-feira (30), os relatos variam muito. E eu não vou procurar me informar mais precisamente. Não quero.
(Eu não sou analista político.)
Por que mesmo que não tenha sido assim, mesmo que não tenha havido os 17, ou 50, ou 36, eu prefiro achar que houve. Que foi. Que precisa.
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Há uma antiga crença judaica de que sempre, em cada dado momento, em cada geração, há 36, e apenas 36 homens justos. Pessoas boas. De quem depende a salvação da humanidade.
Eu imediatamente comecei a pensar nisso (eu sou só um professor de humanidades…) na hora em que mencionaram que alguns (quantos?) policiais militares estariam presos, correndo risco de exoneração, por terem se recusado a atacar os manifestantes na frente da Assembleia.
Você tem ideia do quanto deve ser difícil contestar frontalmente uma ordem direta não apenas de um chefe, mas de um superior numa hierarquia militar?
Você tem ideia da coragem?
Da firmeza da convicção e da dignidade de um militar que diga não?
“Eu não vou marchar com escudos, cassetetes, capacetes, coletes à prova de bala para disparar balas de borracha, bombas e gás lacrimogêneo sobre pessoas desarmadas.”
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Eu sou um covarde. Eu não estive e não estarei entre os manifestantes. Eu sou menor que eles.
Mas somos, todos, menores que aqueles hipotéticos 16 soldados que decidiram que não iam agir contra os seus próprios princípios.
Eu, aqui, cumprimento admirada e humildemente esses soldados.
Se foram 17, ainda estou esperando encontrar os outros 19.
Se a história não foi bem essa, se eles não existiram, alguém vai precisar inventá-los.
Urgentemente.
Houve muito pouca esperança na Salete.
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