| Foto: Ricardo Humberto/

Cole Porter tinha os olhos mais tristes do mundo.

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Procure imagens na internet. Mesmo quando ele aparece sorrindo, cubra o sorriso com a mão e se concentre nos olhos. Os olhos mais tristes do mundo.

Ele teve uma vida bem mais do que privilegiada. Nasceu rico e casou com uma mulher ainda mais rica. Torrou dinheiro até não mais poder e ficou sem uma “carreira” sólida até chegar perto dos quarenta anos.

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Aquela tristeza tinha muito a ver com sua homossexualidade, necessariamente mantida em segredo durante uma vida inteira, e sustentada por um acordo de tolerância mútua com a esposa. Um acordo que aparentemente funcionou bem para os dois.

Casamento de aparência?

Aparentemente feliz.

Herdeiro rico, seu pai queria que ele fosse advogado. Músico talentoso, queriam que escrevesse sinfonias. Mas quando ele encontrou o que fato iria fazer foi que aquela melancolia ganhou serventia. E virou a felicidade de milhões.

Cole Porter iria escrever canções populares que não ficassem a dever à sofisticação da música erudita.

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O musicólogo inglês Howard Goodall (que produziu um belo documentário sobre Porter para a BBC) dá a ele, sozinho, o mérito de ter criado a tradição da canção pop clássica. Uma forma de arte exclusiva do século XX, que veio ocupar o lugar da música clássica em boa parte de seus papéis anteriores.

Forma fundada por um homem só.

Mas você não precisa entender de teoria musical pra apreciar “Night and day”. Nem pra sentir o peso todo da mudança de uma acorde maior pra um menor no ápice de “Everytime I say goodbye”.

Você não precisa conhecer o Primeiro Concerto para Piano de Shostakóvitch, de 1933, para ver de onde ele pode ter tirado a abertura de “My heart belongs to daddy”, de 1938. Não precisa conhecer a canção “Ich grolle nicht”, de Schumann, para se deixar levar pela sua harmonia, que reaparece em “So in love”, e não precisa saber o que é uma escala cromática pra sentir o impacto de “All through the night”.

Você também não precisa saber inglês pra se divertir com “Let’s do it”. Mas, se souber, nossa! Vai tomar uma verdadeira surra de sofisticação. Assim como vai se assombrar até com canções menos conhecidas, como “The Cocotte”. E vai se pasmar e se emocionar com “Miss Otis regrets”.

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Porter era um compositor clássico escrevendo jazz. Era um homossexual vivendo um longo casamento estável. Era um milionário lidando com formas populares de entretenimento e um homem de sucesso que podia se conceber como frustrado.

Cole Porter tinha os olhos mais tristes do mundo.

Mas ainda está aí pra tentar abrir os nossos.