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 | Osvalter Urbinati
| Foto: Osvalter Urbinati

Após várias observações de sucesso, testes empíricos inclusos, chego à conclusão de que 18h21 (horário de verão) é mesmo o momento oficial em que os cachorros deixam os apartamentos do São Francisco em suas correntes coloridas em busca do verde da grama, para fazer o que só eles sabem fazer quando estão de cócoras sob as duas patas traseiras a meio palmo do chão.

Da janela, vejo a loira-fitness com seu pinscher preto de focinho alongado, a balançar o rabo como hélice de helicóptero porque ele acaba de perceber que do outro lado vem a senhora de boné acompanhada de sua pinscher esguia, um pouco mais velha, de pelos brilhantes e com uma trilha acinzentada nas costas. Desta vez a cadela não calça os sapatinhos cor de rosa.

A senhora – cabelos curtos, espírito jovial e calça fusô -– carregava uma sacola de mercado nas mãos. É esse o código a partir das 18h21: só é possível sair às ruas com sacolinhas de plástico. Do alto, contra a luz do sol caído, via os pequenos tijolinhos firmes e arredondados, catados da grama um a um.

Não demora muito para que um poodle branco se junte à pequena manada. É o rival natural do pinscher em termos de latidos estridentes fora de propósito. Cachorra mole e cheirosa, late como muge uma vaquinha nascendo. Quem a leva para a grama, todos os dias, é a zeladora, uma mulher parruda e simpática, que sempre está ou com a mangueira, ou com o regador, ou com um papel, ou com uma chave, ou com um problema, ou com um cachorro nas mãos.

O último a chegar para a festa-da-sacola é um rapaz de regata e bermuda de corrida. Traz um vira-latas preto e branco, Dálmata genérico, em uma daquelas guias ajustáveis, cuja extensão, o limite momentâneo da liberdade do cão, é variável de acordo com a obediência do cachorro e com a vibe de seu senhor. O bicho tenta se aproximar de uma árvore e leva um sacolejo no pescoço. Atiça-se com a poddle logo à frente e consegue ganhar espaço suficiente para uma fungada rapidíssima, mas convincente.

Todos os cachorros cagam e se lambem momentos depois. Nenhum vizinho se toca.

Cães não mudam seu comportamento quando espiados: põem a língua para fora, guincham de felicidade quando o portão se abre, cavoucam a grama, rolam nela e terminam seus dias com as patas para cima, felicidade pura.

Pessoas vistas de cima sem aviso tornam-se mais animalescas. Cutucam o nariz, falam sozinhas, falam com seus cachorros, olham para o infinito e pensam no que poderia ter sido. A consciência cobra juros mesmo quando o que se tem nas mãos é uma sacolinha com cocô morno.

Acho mesmo que a arte é a religião da lucidez. Mas, se Deus existir, qualquer um deles, o que realmente faríamos de diferente se de repente soubéssemos que ele poderia nos espiar assim, como se espia a vida alheia da janela de um apartamentozinho?

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