Cena costumeira é ver pezinhos balançarem frenéticos ao som do nada e apesar de tudo, na ânsia de que algo finalmente aconteça: o fim do expediente, o sinal verde, a utópica sublimação da fila do pão, um whats daquele alguém. Deu no jornal que até o universo resolveu caminhar em marcha lenta, desistir aos poucos da expansão infinita. E nós aqui, a saçaricar.
A cabeça pode até estar em ordem, mas fenômenos mundanos contribuem silenciosamente para esse clima de urgência inumana. Futebol na tevê: é o jogo do seu time e acontece na sua cidade, mas num horário não muito convidativo. É sabido que os jogos locais não são transmitidos ao vivo nas respectivas “praças” em que acontecem – em troca, a tevê por assinatura gentilmente oferece uma partida do último fim de semana da qual já sabemos o resultado. É como assistir o passado justamente no momento em que se quer estar mais presente (torcer, comemorar, xingar). O método já é reconhecido como tortura informal.
Os times entram em campo, você reconhece o 10, torce por mais um gol do 7, demoniza o 6. Pensa em pegar uma cerveja na geladeira porque aquela voz dentro da cabeça, tão intimista quanto ingênua, diz “o jogo vai passar sim, pqp!”. No caminho até a cozinha, ouve-se o hino nacional enquanto na cabeça continua o mantra “não vão cortar o sinal dessa vez, imagina, já passou muito tempo”. Dá tempo de voltar, sentar no sofá. O nome do juiz e dos bandeirinhas na tela, – “é impossível tamanha maldade” –, o 8 pula e ergue os joelhos até o queixo para manter o aquecimento na noite fria, o time adversário se posiciona fora do círculo central e aí, como se uma lâmina afiada de lamento atravessasse seu hipotálamo, o sinal é interrompido. O sentimento posterior envolve impulso consumista (“vou assinar a merda desse plano completo para poder assistir todos os jogos”) e violência gratuita (há uma vontade muito passageira de jogar o gato pela janela).
A companhia de celular tampouco colabora para evitar o balançar frenético dos pezinhos. Após um uso curtíssimo da morosa rede 3G – abro um email, respondo uma conversa no Facebook – pisca uma mensagem ameaçadora (talvez o som escolhido para receber mensagens, chocalho de cobra cascavel, contribua para a sensação de impotência): “você atingiu 80% do seu pacote adicional. Ao atingir 100%, sua navegação será bloqueada”. Ao menos acertam na vírgula.
O aviso sobre o bloqueio não demora, te roubam momentaneamente a capacidade de completar piadas, responder perguntas e checar o resultado do jogo, o que por fim denuncia toda a artimanha consumista que se apropria da ansiedade alheia, como se ela, por si só, não fosse a própria extinção das unhas que nos restavam.
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