Queria estar errado, mas é cada vez mais raro uma sequência de acordes ser capaz de me fazer ignorar uma conversa potencialmente interessante. De, subitamente já que bastam alguns segundos para reconhecermos as músicas de nossas vidas , me transformar em alguém que só quer o silêncio de um velório para ouvir aquela canção indescritível. E dispondo a coragem de quem sabe o que está fazendo, começar a cantar afinado. E finalmente relembrar.
Um certo livro, meio tedioso, didático demais, explica que diferentes músicas causam diferentes impactos em que as ouve. Óbvio. Um pouco mais interessante é o que ele sugere a seguir: os impactos são maiores ou menores de acordo com a idade de quem ouve os laralás. Como tudo na vida tem uma fase, não seria diferente com a música.
Meu pai, por exemplo. Certo dia fui corajoso. Apanhei os dois fones de ouvido do Ipod Sr., José Luiz, já expliquei o que é isso e passei a ele, na cozinha. "Ouve aí", disse. A banda era a gaúcha Apanhador Só, que lançou seu primeiro disco neste ano. No meio da música um rockzinho animado e despretensioso, mas muito bem feito , surgiam nomes de amigos de meus pais. Imaginei que eles fossem se interessar. Não foi o que pareceu, e não os culpo. Porque experimente colocar na vitrola um disco do Julio Iglesias ou algum bolero eterno como "El Día Que Me Quieras". Meus pais cantam en español verso por verso, do começo ao fim. É baile na certa.
O que acontece é que ambos ouviam essas músicas quando jovens. Ou melhor, quando suas preferências, suas escolhas, o modo de vida, enfim, ainda não estavam cimentados, totalmente definidos. O mesmo acontece comigo e com você. Voilà.
Não pare de ler, mas sou capaz de fazer tudo aquilo que escrevi ali no primeiro parágrafo quando ouço bandas como Echo & the Bunnymen ou James. Meu irmão as ouvia, logo eu também. Fizeram parte da nossa vida. Simples assim. Quando comecei a me interessar por música, correr atrás de outros artistas em lojas de discos e ao mesmo tempo ter a paciência de, pela internet, baixar faixa por faixa em programas naftalínicos como Napster ou Kazaa isso tudo conversando com alguém no ICQ , minha relação absorção/ significância estava mais desequilibrada. Ou otimista. Pois são essas músicas que me invadem mais. São delas que mais lembro. Dado relevante: músicas que remetem a pessoas não contam.
Talvez, se ouvíssemos em casa coisas como aquelas que dominavam as rádios na década de 1990 "Dança do Pimpolho" ou "Clementina de Jesus", que hoje se transformaram estranhamente em artigos cultuados exatamente por sua bizarrice, estivesse aqui dizendo que vou dormir ouvindo É o Tchan no Havaí. Novamente: é tudo uma questão de idade e influências. O bom gosto vem depois.
Se colocasse as músicas que tenho no meu computador pessoal para tocar, uma após a outra, poderia passar 23 dias, 21 horas, 43 minutos e 45 segundos as ouvindo sem que nenhuma repetisse. Mas poucas delas têm o enorme privilégio de serem as primeiras a ressoarem quando chego em casa do trabalho ou quando ligo os alto-falantes para animar atividades naturalmente pentelhas, como pendurar a roupa ou lavar a louça. Nesta categoria, só uma lista pequena se encaixa.
A maioria das bandas ou dos artistas que fazem parte dela está ligada à minha vida há muito tempo. É difícil, portanto, novos sons conseguirem de mim uma atenção incondicional. Mas ainda vivo, não fiquei surdo e ouço muita música. Então cito dois casos recentes: os norte-americanos do Fleet Foxes; e o carioca Thiago Amud. Vou me arrepender daqui a pouco, mas é o que me vem à cabeça agora. Mas para provar que estou errado, amanhã coloco Julio Iglesias nos fones, bem alto, e tento mais uma vez.
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