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 | Daniel Castellano / Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

Gosto de observar essas coisas. De ver alguém que não sabe onde colocar as mãos quando não há bolsos nas calças. Essas coisas. De desviar o olhar quando olhos carentes se misturam por muito tempo. Eu gosto de observar essas coisas. Um eterno enrolar de dedos, por exemplo, em algo que não existe, mas que estranhamente resiste. De se mexer com o que está quieto. Eu gosto.

Gosto de ver pessoas tropeçando. Menos pela solidariedade camuflada – ao nos perguntarmos rapidamente e em silêncio se está tudo bem. E mais pela reação posterior ao golpe inesperado. Ela pode ser uma mistura de autoconfiança. É quando a vítima olha para o chão em busca de um algoz: um buraco repentino, uma pedra frouxa na calçada. Mesmo algo invisível pode ser acometido por impropérios e gestos bruscos. Tudo para desviar a atenção, principalmente quando o incidente é barulhento. E esses são os melhores, cá entre nós.

Há outro tipo de consequência pós-tropeço ainda mais comovente. É quando se acelera o passo, fingindo que a bateção estabanada de pernas é um mero impulso para uma corridinha sem propósito. Depois da cena há um olhar para os lados, surpreso. E logo volta-se para o caminhar normal – embora as olhadelas para o chão ganhem em frequência.

Gosto também do frio que corta. Porque aí há reações corporais que são dignas de atenção. Parece que o queixo se gruda ao pescoço, e os olhos, ao chão – daí concluo que no inverno é mais difícil tropeçar.

Encapotados, seres vagam pelas ruas resmungando assobios. "Shhhhhhh". Tchhhhhhh". É o frio. Eu gosto de vê-lo em ação.

Pedestres expostos a ares gelados também proporcionam situações igualmente estranhas. Alguns continuam o bater de pés mesmo quando não se pode atravessar a rua. É algo como um trote antifrio. Enquanto isso, o olhar para o vermelho do semáforo é agudo, ansioso, como se clamasse pelo verde que logo surge. E eu ali, a observar.

O banco também serve para esse prolífico laboratório do cotidiano. Dia desses um senhor aguardava sua vez sentado na primeira fileira, com o nariz colado no painel que indica as senhas. Enquanto seu número não chegava, virava de um lado para o outro o papel amarelo retirado na maquininha: moto-perpétuo. Quando foi chamado, amassou o bilhete. Não entendi. Mas observava.

O que eu queria mesmo ter visto foi o que um amigo me contou. Numa manhã, andando pelas calçadas de Curitiba – agora não sei se da XV ou da Comendador Araújo –, ele viu de longe uma mulher, que a passos lépidos surgia em sentido contrário. Ambos estavam praticamente na mesma velocidade e, apesar da distância ainda segura, já tentavam evitar o encontro, definir seus caminhos.

Ele foi pra lá, ela também. Ele voltou, ela também. Ele fingiu que ia pra lá, ela também. Até que a moça se saiu com essa: "obrigado por dançar comigo nesta manhã". Ela deu um sorriso sem jeito, se esquivou. Continuou seu rumo. Ele também. Gostaria de ter visto isso.

Há outras coisas que gosto de observar, mas confesso que não sou inocente. Também faço parte desse grupo estranho que vaga por aí com a cabeça nas nuvens. Tropeço com frequência assustadora; brinco com coisas que estão à minha mão enquanto espero algo; rio quando vou de encontro a alguém que surge no caminho porque lembro da história ali de cima. Na verdade, rio da maioria dessas situações. Só não me dê uma calça sem bolsos e não esconda meus óculos escuros. Pelo amor de Deus.

Cristiano Castilho é repórter do Caderno G

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