Depois de driblar um senhor de pulôver que procurava pelos pavões "e pavoas!" do Passeio Público, o restaurante do espaço me pareceu o destino mais coerente naquele meio-dia de quarta-feira.
O prato feito custa R$ 9,90. É bem-servido e, esbanjando alho no feijãozinho carioca, até faz valer todos os caraminguás. O problema é o clima desolador do interior do restaurante que contrasta com a vista inspiradora que surge quando se olha ao redor. Isso e as intrusas aladas que teimam em aparecer na minha vida nas situações mais improváveis: as pombas.
Durante todo o almoço, o desafio foi manter os bichos a uma distância segura. Havia uma branca, crica; e a preta, provocadora. Elas rodeavam a mesa com aquele jeito peculiar que as pombas têm de balançar o pescoço. E bicavam o invisível, só para aporrinhar. Já estava imaginando o momento em que, com aqueles pezinhos vermelhos endiabrados, me implorariam por um pedaço de frango à passarinho.
"Daqui a pouco elas sobem em cima da mesa", avisou o garçom. Me atraquei ao prato, espantei um dos bichos com os pés e torci para que o rapaz estivesse brincando. Devia estar, já que não havia muito mais o que fazer por ali a não ser divertir clientes ou arremessar tampinhas para espantar as pombas. Era isso. Às 12h30, só três pessoas almoçavam no Passeio Público: deserto no Centro de Curitiba.
Logo depois, o equilíbrio. Havia uma pomba por cabeça, já que outra ave, cinzenta, entrou estabanada tenho a impressão de que as pombas são os únicos seres com asas que têm preguiça de fazer o que se deve com elas. Deus dá asas para quem não sabe e também para quem não gosta de voar.
Para completar, o único som que havia, além do arrulhar geral, vinha da rádio Ouro Verde FM. Então, aos lamentos de Elton John "oh Nikita you will never knoooow, anything about my hoooome" um senhor na mesa ao lado pediu a segunda cerveja. "Até que enfim fez sol", disse o garçom automaticamente, antes de jogar a tampinha da garrafa no cocuruto da pomba branca, que nem assim voou. A pomba é o verdadeiro bicho-preguiça.
O senhor, aliás, parecia enlutado. Vestia jaqueta, calça e boné, tudo preto. Olhava com ar de nostalgia para o lago, sujo. E para os pedalinhos, estáticos. Viu uma moça passar correndinho na pista de cooper e começou a batucar na mesa com o nó dos dedos. Talvez até tenha balbuciado um samba antigo.
Enquanto tomava um gole e agora lidava com as mesmas pombas ele pediu uma porção de alguma coisa, e esses bichos são loucos por qualquer coisa dois bombeiros entraram no restaurante. Prancheta na mão, foram em direção à cozinha. Talvez quisessem verificar a validade do extintor. Ou só bater um papo. Porque nunca se sabe o que pode acontecer em uma tarde de quarta-feira, em um lugar semidesértico com pombas famintas onde toca R.E.M. "thats me in the corner/ thats me in the spotlight".
A dupla saiu logo da cozinha, sorrindo. "Bom serviço", disseram em coro a quem os recebeu. O senhor de preto bocejou antes de levantar o dedo para sinalizar outra cerveja. O garçom tentou nova tática e fez "tschhhhhhhhhh" para espantar as pombas, antes de jogar a tampinha da garrafa. As Columbia livia bateram asas sem coordenação, arrulharam mais um pouco e deram a entender que iriam se bicar em breve, seriamente, caso não sobrasse um bacon daquela porção de aipim. E ainda dizem que pombas são o símbolo da paz. Tschhhhhhhh!
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