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O restaurante do Passeio Público e seu clima desolador | Antônio More/Gazeta do Povo
O restaurante do Passeio Público e seu clima desolador| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Depois de driblar um senhor de pulôver que procurava pelos pavões – "e pavoas!" – do Passeio Público, o restaurante do espaço me pareceu o destino mais coerente naquele meio-dia de quarta-feira.

O prato feito custa R$ 9,90. É bem-servido e, esbanjando alho no feijãozinho carioca, até faz valer todos os caraminguás. O problema é o clima desolador do interior do restaurante – que contrasta com a vista inspiradora que surge quando se olha ao redor. Isso e as intrusas aladas que teimam em aparecer na minha vida nas situações mais improváveis: as pombas.

Durante todo o almoço, o desafio foi manter os bichos a uma distância segura. Havia uma branca, crica; e a preta, provocadora. Elas rodeavam a mesa com aquele jeito peculiar que as pombas têm de balançar o pescoço. E bicavam o invisível, só para aporrinhar. Já estava imaginando o momento em que, com aqueles pezinhos vermelhos endiabrados, me implorariam por um pedaço de frango à passarinho.

"Daqui a pouco elas sobem em cima da mesa", avisou o garçom. Me atraquei ao prato, espantei um dos bichos com os pés e torci para que o rapaz estivesse brincando. Devia estar, já que não havia muito mais o que fazer por ali a não ser divertir clientes ou arremessar tampinhas para espantar as pombas. Era isso. Às 12h30, só três pessoas almoçavam no Passeio Público: deserto no Centro de Curitiba.

Logo depois, o equilíbrio. Havia uma pomba por cabeça, já que outra ave, cinzenta, entrou estabanada – tenho a impressão de que as pombas são os únicos seres com asas que têm preguiça de fazer o que se deve com elas. Deus dá asas para quem não sabe e também para quem não gosta de voar.

Para completar, o único som que havia, além do arrulhar geral, vinha da rádio Ouro Verde FM. Então, aos lamentos de Elton John – "oh Nikita you will never knoooow, anything about my hoooome" – um senhor na mesa ao lado pediu a segunda cerveja. "Até que enfim fez sol", disse o garçom automaticamente, antes de jogar a tampinha da garrafa no cocuruto da pomba branca, que nem assim voou. A pomba é o verdadeiro bicho-preguiça.

O senhor, aliás, parecia enlutado. Vestia jaqueta, calça e boné, tudo preto. Olhava com ar de nostalgia para o lago, sujo. E para os pedalinhos, estáticos. Viu uma moça passar correndinho na pista de cooper e começou a batucar na mesa com o nó dos dedos. Talvez até tenha balbuciado um samba antigo.

Enquanto tomava um gole e agora lidava com as mesmas pombas – ele pediu uma porção de alguma coisa, e esses bichos são loucos por qualquer coisa – dois bombeiros entraram no restaurante. Prancheta na mão, foram em direção à cozinha. Talvez quisessem verificar a validade do extintor. Ou só bater um papo. Porque nunca se sabe o que pode acontecer em uma tarde de quarta-feira, em um lugar semidesértico com pombas famintas onde toca R.E.M. – "that’s me in the corner/ that’s me in the spotlight".

A dupla saiu logo da cozinha, sorrindo. "Bom serviço", disseram em coro a quem os recebeu. O senhor de preto bocejou antes de levantar o dedo para sinalizar outra cerveja. O garçom tentou nova tática e fez "tschhhhhhhhhh" para espantar as pombas, antes de jogar a tampinha da garrafa. As Columbia livia bateram asas sem coordenação, arrulharam mais um pouco e deram a entender que iriam se bicar em breve, seriamente, caso não sobrasse um bacon daquela porção de aipim. E ainda dizem que pombas são o símbolo da paz. Tschhhhhhhh!

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