Algo acontece no mundo quando um artista morre no palco. Porque é um pequeno big bang: o auge efêmero se debruça sobre o fim eterno. Golpe imprevisível, uma coincidência cheia de ironia. Nasce instantaneamente uma memória específica em que a criação se encontra com o pior da criatura – a fragilidade física, o remate da existência.
O poeta Francisco Soares Neto estava animado para sua apresentação no Teatro Universitário de Curitiba. Era uma noite sem estrelas. Sexta-feira, 17 de julho. Francisco vestia um colete colorido, boina preta e botas marrons.
Aguardava, com o violão no colo, o momento para subir no palco, ser artista de novo. Houve um sorteio para definir a ordem das 48 apresentações, que começaram às 19h40. Francisco seria o penúltimo.
Às 21h25, entregou a filmadora para que uma amiga registrasse o momento. O poeta estava nervoso. Tremia um pouco, apesar da experiência de palco de quase 30 anos. Havia mais de 100 pessoas na plateia, algumas espiando da Galeria Júlio Moreira.
Francisco tocou quatro acordes de uma música criada para embalar um texto de sua esposa, a poetisa e escritora Lia Marcia Finn. Balbuciou algo da letra. Uma punhalada seca e invisível o nocauteou da cadeira. Ele pendeu para um lado, o violão para outro, como dois ponteiros de um relógio desajustado.
Pensaram se tratar de uma performance, mas o poeta estava morto.
A causa foi o que se chama de infarto fulminante (este adjetivo, fulminante, assusta porque é definitivo, lembra as piores coisas: as que não podem ser transformadas).
Começamos a morrer assim que nascemos, mas os poetas adiantam um pouco este processo porque batalham para ser quem são.
O mundo precisa cada vez mais dos poetas, dos óculos com os quais nos veem, da cabeça com a qual nos imaginam. Mas fácil não é.
O evento do qual participava Francisco chama-se Cutucando a Inspiração. Existe há um ano e cinco meses, teve 26 edições. Com muita insistência e teimosia, foi criado pelo poeta Geraldo Magela. Há força:
O grupo Epopeia se reúne todo sábado na Rua XV, para vender a preço de banana poesias publicadas em livros e folhetos independentes. A tradicional Feira do Poeta retornou só agora, no último dia 29 de março. Os Escritibas seguem a jornada e animam a Feira do Largo da Ordem aos domingos. O Sarau Popular, impulsionado pela Fundação Cultural de Curitiba, movimenta algumas comunidades do Parolin e do Portão. As Marianas, combo de poetisas feministas lideradas por Andreia Carvalho Gavita, nasceu há pouco tempo. Como se vê, a turma é grande, a poesia é farta. Mas a divulgação é pouca, o interesse também.
“Quem quer ler poesia aí?” A indiferença mata.
Luiz Carlos Brizola se apresentou antes de Francisco naquela noite.
“Quando eu morrer e for pra outra dimensão/ estará lá me esperando uma grande multidão”, declamou, estranhamente prevendo o destino alheio. Brizola entendeu tudo o que aconteceu como “um resumo trágico da vida de poeta.” E assim foi.
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