• Carregando...
 | Osvalter Urbinati
| Foto: Osvalter Urbinati

Se alguém lesse os comentários publicados em redes sociais sobre a coluna da semana passada – “Quem dorme debaixo do bondinho?” – diria que o autor do texto é um monstro fascista com chifres pontudos, um sujeitinho abominável e insensível que usa a fraqueza alheia como inspiração pseudoliterária.

No último domingo, a história sobre o rapaz que dorme debaixo do vagão virou de ponta-cabeça em algumas horas. O motivo foi a falta de capacidade interpretativa de alguns, que desceram a lenha no colunista pensando que ele, na verdade, fazia troça do moço, talvez por puro sadismo.

“Aos [sic] invés de fuçar por que não ajudar a parar de dormir na bosta de uma marquise”, escreve um facebookiano. (Mas não é na marquise, poxa, é debaixo do bondinho...). “12/04 vem pra rua lutar por um país digno!!”, destilou um destes novos patriotas. Também houve espaço para o incrível: “Fiz uma breve leitura dinâmica... Nos últimos parágrafos o jornalista mostra tom irônico me parece... Mas sei lá história confusa.” E para o inacreditável: “COM DEMOCRACIA QUEREMOS MONARQUIA !!”

É muito estranho ter de explicar o que se escreve. Dizer: “Veja, não é bem assim. O senhor entendeu mal”. O papo não é novo, mas parece que nestes tempos de opiniões imperativas e instantâneas, os ruídos na comunicação se estabelecem não por falhas que surgem no caminho do receptor até o emissor – do jornalista ao leitor. Mas por uma vontade irrefreável, de quem consome informação e lê opinião, de encontrar um pretexto para destilar uma raiva latente – como se a afirmação da certeza virtual viesse empacotada em saquinhos com exclamações, palavrões e frases perturbadas.

O que dá nos nervos também é o redemoinho maluco que se forma quando alguém compra a opinião equivocada do outro. Em uma ação que lembra o bizarro filme Centopeia Humana, comentários sem pé nem cabeça vão se retroalimentando, criando uma discussão paralela àquela proposta inicialmente. Até parece engraçado, mas na verdade é assustador.

A longo prazo, o mais sério disso tudo é o fim do debate. A facilidade de expressão que o mundo virtual oferece prejudica a capacidade de separar o que é real do que se deseja. Tudo – da cor do vestido ao filme iraniano – é motivo para o confronto. Na política (e no Brasil) é ainda pior, já que o debate, que deveria ser público, acaba num âmbito pessoal, fazendo com que parentes cortem relações via WhatsApp.

A cultura só acontece quando há o debate. Mas ele acaba quando perguntas são preteridas por crenças; quando o ego assume uma postura violenta; o debate acaba quando se fala mais do que se ouve; quando se grita “vaca” para uma presidente enquanto ela faz um pronunciamento oficial; quando o saldo de uma crônica de jornal sobre um mendigo que mora embaixo do bondinho é o pedido pela volta da monarquia.

Mea culpa: era a missão da semana, mas não fui feliz em encontrar o sujeito que mantém o colchão sob o bonde. O leitor Beto Santos me escreveu, e disse que ele é um senhor de 60 anos chamado Tobias. Aos dois, um abraço.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]