A felicidade está mais perto da contemplação do que dos exageros. Do silêncio do que do ruído. De certo é o avançar da idade essa predileção atual por coisas simples e menos barulhentas – uma volta de bicicleta em troca de um show duvidoso. Desaprendemos a conviver com o silêncio natural de nós mesmos porque até o toque na tela do celular faz um barulhinho engraçado. “Ploc.”
Noite dessas choveu estrelas. A dica para acompanhar o fenômeno era trivialmente divertida: “Faça aquele sinal roqueiro com a mão, aquele, com os dedos indicador e anelar para cima. Isso em direção ao horizonte. Na altura da ponta do dedo indicador, as chances de avistar alguma estrela cadente são maiores.” Na ponta do dedo anelar são menores? E como raios inventaram essa fórmula metaleira? Vi nada. Os prédios em volta projetam luz o tempo todo, competem com as estrelas mais brilhantes, enfrentam Vênus e Marte. São barulhos mundanos interferindo no remanso do espaço.
Fazer silêncio hoje é um princípio de transgressão. Porque se fala muito para se dizer absolutamente nada. Quem tem muito a dizer – dissidentes dos rumores –, se cala para não fazer eco a este ramerrame.
E assim perdemos a noção da beleza do uivo de um cão madrugueiro.
O filósofo e jornalista Adauto Novaes descobriu que depois da invenção das novas tecnologias de comunicação, houve um aumento de quase sete trilhões de palavras potencialmente pronunciáveis. Sete trilhões e alguns perdigotos mais. Fala-se pelos cotovelos, silencia-se pela cabeça.
Eugênio Bucci é versado no assunto. Começou a investigar o silêncio – ou a necessidade dele – a partir de um zumbido hiperagudo que enchouriçou seus canais auriculares, há 15 anos. Conviver com o barulhinho irritante instigou-lhe a seguinte reflexão: o silêncio ainda é uma possibilidade?
Toda a profusão de imagens, sons e discursos que compõem o espaço urbano carregam consigo a capacidade de nos fazer esquecer o sentido das coisas e as ideias que movem o mundo – e consequentemente criam ainda mais barulho. Nossos processos criativos são boicotados pelo exagero de informações desnecessárias. E aí nos reduzimos a meros ecos, a imitação da imitação.
E John Cage? Sua peça rebelde “4’33’’” consiste em sentar-se ao piano e tocar absolutamente nada.
Os quase cinco minutos de negação da música não são necessariamente de silêncio, mas de improvisos naturais, já que tosses, espirros e jojocas criam um mundo novo, recheado por um misto entre ansiedade (pezinhos batem no chão) e expectativa (quando ele vai tocar, afinal?, não posso suportar este silêncio). Visionário, o Cage.
A música foi “composta” em 1952, sete anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, época em que barulho era sinônimo de morte.
A guerra acabou, mas ouvir o silêncio ainda é revolucionário.
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