Depois de muita discussão, a mãe diz que o filho pode, sim, fazer tatuagem, quantas quiser, até na testa.
Desde que antes você comece a pagar suas contas, tá, e a arrumar a cama, fazer comida, lavar a roupa, ou arranje empregada, né? Aí pode tatuar até suástica na testa, mas vá viver longe de mim!
O filho adoça a voz:
Mãe, eu tava brincando quando falei de tatuar suástica, só porque você perguntou o que eu quero tatuar, né, mãe, como se eu tivesse de passar pela tua censura... E a liberdade de expressão da Constituição?
A mãe diz que ele pode pegar a Constituição e... mas aí morde o lábio, silencia lavando louça.
Deixa que eu enxugo, mãe.
Aqui em casa, se você prestasse um mínimo de atenção, saberia que não enxugo louça, deixo secar no aparador!
Que inteligente, mãe!
A mãe suspira tão fundo que o filho diz: mãe, se você tivesse bigodes, eles tremiam, hem. A mãe, com voz torcida, diz que se ele tivesse pai em casa...
O que ele ia fazer, mãe? Entrar na minha cabeça pra eu não gostar de tatuagem? Ele se foi, mãe, e agora o homem da casa sou eu! É, mãe, consegui aquele emprego!
Ela amassa o pano de prato nas mãos.
É, mãe, consegui. Não queria dizer antes, pra ver se você me liberava a tatuagem sem pensar que é chantagem.
Ela pousa o pano de prato na pia como se fosse um coração úmido.
Você... conseguiu o emprego?
Com bolsa de estudo pra curso superior, mãe, te falei, fui o melhor estagiário!
Teu pai ia ficar tão orgulhoso, sussurra a mãe com olhos também úmidos. O filho também sussurra:
E você, mãe, acha que agora ele me deixaria tatuar?
A mãe desaba na cadeira, enxugando os olhos com o pano de prato. O silêncio valoriza os suspiros e as fungadas, até que ela fala:
Pode... tatuar o que quiser, filho, onde quiser.
Onde, mãe, você vai escolher. Vou tatuar isto.
Ele mostra no celular o desenho de um coração com os nomes do pai e da mãe. Ela olha piscando, mascando os lábios até falar ajoelhando:
Ah, filho, me perdoa!
Que isso, mãe, levanta, não é teatro, não, é nossa vida!
Abraçam-se como só no Natal e aniversários, aí ela fala na orelha:
Uma tatuagem dessas, meu filho, no braço ia ser coberta pelo paletó, porque você, do jeito que vai, vai ser chefe ou diretor de empresa, vai usar paletó. No pescoço, ia parecer punk, mas no dorso da mão vai aparecer bem, né?
O filho desabraça, olha nos olhos e sorri:
Que tal na testa, mãe?
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