Não posso contar como o ET apareceu aqui na chácara, prometi a ele, mas posso contar que parece gente, tanto que anda comigo e ninguém estranha. Ele é que estranha:
- Por que dizem "aquele abraço" e não dão o abraço?
- Por que dizem "nem te conto" e em seguida contam tudo?
- Por que casam se depois vivem se maltratando? Não era melhor se respeitar separados do que se maltratar juntos?
- Por que os carros são feitos para chegar até a 200 por hora se o máximo permitido é 110?
- Por que todos falam mal dos políticos mas, diante de político, ficam sorrindo feito bobos? Os políticos emitem algum tipo de hormônio embobecedor?
- Por que comemoram aniversário se é um ano a menos? Não era melhor comemorar cada dia nascendo?
- Por que não olham o nascente e o poente se são tão bonitos, irrepetíveis e de graça? Por que preferem olhar fogos de artifício se são sempre tão iguais?
- Por que gostam tanto de barulho se no silêncio se ouve muito mais?
- Por que pedem tanto a Deus se dizem que Deus sabe o que faz? Querem mudar Deus ou não acreditam no que dizem?
Não é fácil conviver com o ET, ele não apenas olha, ele vê, e questiona tudo que vê. Faço compra numa loja de 1,99, vou saindo, ele pergunta se não vou pegar o troco. A caixa fala que não tem um centavo, ele esbraveja:
- Se não tem troco, por que vendem a 1,99?!
É para o preço parecer barato, explico, e ele fica pensando até concluir:
- É, assim parece barato para quem é bobo. Mas sem troco, parece malandragem. E quem compra sem exigir troco é mesmo bobo, não?
É difícil explicar certas coisas para o ET. Por exemplo quando vou tirar nova carteira de identidade, a foto tem de ser com gravata, ele ri:
- Mas você nunca usa gravata, por que vai aparecer de gravata na carteira de identidade? Ou é carteira de desidentidade?
Fica olhando enquanto coloco uma das três gravatas à disposição no estúdio fotográfico, até que seu olhar se ilumina:
- Entendi! É carteira de identidade porque mostra com que tipo de gravata os homens se identificam! Mas e as mulheres? São de um tipo só?
Depois que tiro a nova identidade, mando fotocopiar e vou ao cartório autenticar a fotocópia, o ET fala que não é preciso, ele leu todas nossas leis:
- O novo Código Civil, que já nem é tão novo, diz que não é mais preciso autenticar documentos.
Explico que os órgãos públicos continuam exigindo, ele não entende:
- Os órgãos públicos não devem obeceder as leis?!
Vou atravessar a rua, ele me segura:
-Não vai atravessar na faixa?
Explico que é uma rua de pouco tráfego, ele questiona:
- Mas o lema da bandeira não é Ordem e Progresso? Então quando o tráfego é pouco, a ordem também pode ser pouca? Mas o progresso também não será pouco? E a corrupção de que tanto reclamam, não é grandemente praticada porque miudamente é cultivada? E...
Ando com o ET me enchendo os ouvidos, até que explodo:
-Errar é humano, cara!
- Mas acostumar-se com o erro não é desumano?
Afinal, se o homem é o único ser no planeta a conseguir auto-desenvolvimento, independente da natureza, dominando até a genética, não será mais humano errar cada vez menos?
Entro no ônibus, o ET atrás. Vê uma senhora em pé, cutuca um jovem:
-Não vai ceder o lugar? Está doente?
O jovem olha bem o ET, e ele não é franzino, então o jovem levanta, a senhora senta, olhando o ET como se soubesse que é um ET, ele me sussurra:
-Fiz algo errado?
Não, digo, está tudo certo, ele se tranquiliza, sorri para a mulher, ela abraça a bolsa baixando os olhos. Ele chacoalha a cabeça, como ajeitando os pensamentos, depois me diz que é difícil entender, eu digo que sim, gente é um bicho muito esquisito.
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