Eu tinha lá meus dez anos e era apaixonado por mergulho submarino, embora vivendo longe do mar. Via Lloyd Bridges mergulhando nos filmes e sonhava que ia junto, soltando minhas borbulhas e batendo levemente as nadadeiras, naquele balé suave e lento entre rochedos e cardumes.
No aniversário, pedi à mãe máscara e nadadeiras, ganhei sei lá o que. No Natal, pedi de novo, insisti, embirrei, até chorei porque, se naquele tempo homens não choravam, aos meninos se permitia um choro chantagista. E ela foi procurar pelas lojas, eu levando junto minha ansiedade, mas os vendedores diziam que não, não tinham coisas de mergulho, por que eu não levava uma bola?
Afinal ela também perguntou por que afinal eu não ficava com uma bola, não de plástico mas de couro, oficial, como disse um vendedor. Bati o pé, cerrei os punhos, não, bola não! E me conformei em esperar minha máscara e nadadeiras para depois do Natal, quando iríamos à praia, passando por São Paulo e lá se achava de tudo.
Achamos numa loja onde novamente um vendedor perguntou se eu não queria levar também uma bola, perguntei para que:
Pra jogar no fundo do mar?
Mas não fomos para o mar, não lembro porque, lembro só que, de volta para casa, me contentei com colocar minha máscara e minhas nadadeiras, então chamadas de pés-de-pato, e mergulhar... na velha banheira com seus pés metálicos de leão. Sozinho e triste, ouvindo lá fora a molecada a jogar bola na rua.
Espiei pelo vitrô, eles corriam descalços atrás da bola, e eu ali com meus pés de pato... Enfiei aquelas coisas de borracha no armário, fiquei na varanda vendo a molecada a correr atrás duma bola de pano. Então pedi ao pai, sabendo que ele, ex-jogador de futebol, não recusaria:
Me dá uma bola de capotão, pai?
Era como se chamavam as bolas de couro, com seus gomos hexagonais, que um primo dissera ser o sonho de todo moleque boleiro. E num belo dia de céu azul, quando a molecada novamente castigava a bola de pano, apareço eu com minha reluzente bola de capotão, para ser recebido com a maior das considerações:
Você joga na linha e eu fiquei procurando onde estaria pintada a linha na rua de terra.
Algumas jogadas depois, vendo que passar a bola para mim era o mesmo que entregar ao outro time, me colocaram para jogar "no meio", o que desconfiei ser o meio do campo, de onde logo fui rebaixado para jogar na defesa. Graças a mim foram feitos alguns gols, infelizmente pelos adversários, e então me colocaram no gol. Ali mostrei logo tudo que eu podia, deixando entrar até bola recuada pelos zagueiros, e então gentilmente perguntaram se eu não preferia ver o jogo.
Fiquei sentado num barranquinho vendo minha bola ir perdendo o brilho noviço, até que fui pra casa, avisando pra devolverem a bola lá. Começava a tomar gosto por leitura e, lendo, deixei de ouvir os gritos do jogo lá fora.
No dia seguinte, vieram pedir a bola emprestada, emprestei. Depois, sempre que estava envolvido num livro, lá vinham bater palmas para pedir a bola. Até que peguei o canivete e furei o famoso capotão. Pediram, mostrei a bola murcha, expliquei:
O cachorro rasgou.
Tínhamos um pastor alemão convincentemente bravo, e eles voltaram à bola de pano. E eu descobri que a de capotão, murcha em concha, servia direitinho como almofada de cabeça para leitura deitado. Os anos passaram, continuei lendo, nunca dei a meu pai o prazer de me ver fazer um gol, mas comecei a escrever, dei-lhe o prazer de me ver virar escritor e ser confundido comigo, pois temos o mesmo nome e, a certa altura, pedi a ele permissão para eliminar o Júnior do meu nome, passando a adotar o nome dele, para simplificar e ficar mais grifoso...
Ele então orgulhosamente explicava às pessoas que não, não era o escritor, era o pai. E, enquanto isso, eu ia vendo meus antigos colegas e amigos boleiros a engordar e criar barriga, correndo não mais atrás de bola, correndo do enfarte. E, quando me perguntam como me mantenho em forma, respondo que é coisa lá da meninice:
-Em vez de correr atrás de bola, deixei voar a imaginação.
Na verdade, é uma jogada vingativa, pois, no fundo, sempre quis saber o que é chutar em gol uma bola, mesmo que não fosse de capotão.