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Os dois homens agachados, diante do bar fechado, veem o homem de tênis brancos tapar o nariz ao passar pelo ponto de ônibus, e falam quando ele se aproxima:

–Essa carniça tá uma desgraça, o cachorro foi atropelado faz semana!

–Mas a prefeitura nem tium, o povo cansou de ligar!

O homem continua, um coça o pé sujo na sandália e diz que não entende:

–Essa gente que anda assim de manhãzinha vai sempre com pressa, pra chegar adonde?!...

É pra esquentar o coração, diz o outro:

–Mas eu vou esquentar é com uma branquinha já-já...

Continuam esperando o bar abrir, até que veem o homem de tênis brancos voltando. Quando ele senta ali no meio-fio, diante deles, um sussurra ao outro que os tênis dele são velhos, então...

...como é que podem ser assim branquinhos?

O outro faz cara de não-sei, coça de novo o pé, com o mesmo dedo coça o olho, depois pergunta ao homem:

–Tá esperando o Tião abrir?

O homem olha a placa – Bar do Tião – e diz que não, está esperando abrir a loja em frente, de material de construção.

–Tá construindo? – pergunta um, ele diz que não.

–Reformando? – pergunta o outro, ele diz que não.

Eles se olham, com cara de veja-só, cospem juntos na calçada, conversam ignorando o homem:

–Se o Tião bebeu ontem, demora pra abrir. A muié dele antontem falou que, se ele continuar bebendo, vai quebrar o bar.

Quebra nada, Deus abençoa. Não vê o Lula?

Mas, ih, o fedô da carniça tá chegando aqui, hein?

–Quando o vento bate pra cá é assim, mas no geral bate pra lá.

–É, o povo lá tá até esperando o ônibus fora do ponto, pra não pegar fedô.

–E a prefeitura, até agora...Na prefeitura é tudo uns vagabundo, a começar do prefeito.

–Por falar em vagabundo, será que o Tião não vai abrir?

–Ih, a mão tá tremendo, sô?

–Num é isso, é que a muié mandou comprar rabada no açougue, mas eu quero antes fazer a fezinha. Tenho fé que quem joga primeiro leva mais sorte.

–Bobagem. O que dá sorte é jogar em número sonhado.

–E ocê sonhou ontem?

–Sonhei com o 47 mês passado, tô jogando todo dia.

Então abre a loja de material de construção e o homem vai lá, sai com uma pá. Pega a carcaça do cachorro com a pá, joga no pé duma árvore, cavoca, cobre de terra a carniça, acaba o fedor. Diante do bar, os dois homens coçam a cabeça.

–Ele comprou uma pá só pra enterrar o bicho?

–Não, ói lá, foi devolver a pá, só emprestou.

–O homem passa de novo diante deles, um ergue a mão:

–O senhor é da prefeitura? – e o homem diz que não, continuando a caminhar.

Eles se coçam, e o outro pergunta alto:

–O cachorro era seu?

Já longe, o homem só balança a cabeça, não. Sujeitinho metido, sô, diz um, mas o outro nem ouve: o bar está abrindo.

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