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Eu estava no pesqueiro deserto, sabendo que no frio pesca-se pouco, mas com esperança de, por isso mesmo, pegar um peixão.

Aí me senti observado, o sexto sentido alertando. Me virei e uma garça, branca como roupa de freira, me olhava imóvel.

Oi, garça, falei, e ela balançou a cabeça. Está me entendendo, pensei, e perguntei o que ela fazia ali.

Ficou me olhando, como se pensasse no que dizer. Depois, com aquele seu passo delicado e cauteloso, foi para a beirada da lagoa e ficou olhando a água muito atentamente.

De repente, o pescoço curvou e a cabeça baixou tão depressa que, quando vi, a cabeça já voltava para a posição altaneira, com um peixinho na ponta da longa tesoura do bico.

Daí ergueu o bico, para contar com a ajuda do planeta, através da força da gravidade, abrindo e fechando o bico para o peixe ir descendo bico abaixo e goela abaixo. Dava para ver o bichinho se debatendo a descer pelo longo pescoço da garça.

Depois ela ficou me olhando, as vezes sobre um pé só, e me dei conta de que, na prática, tinha respondido minha pergunta: estava ali pescando, como eu, só que com mais sucesso.

Então minha bóia afundou, puxei a vara e era uma tilapinha, muito miudinha para mim, mas para a garça devia ser um grande petisco, pois esticou o pescoço, adiantando um passo, enquanto eu tirava o peixinho do anzol.

– Você quer isto? – perguntei estendendo a mão com o peixinho entre os dedos.

Ela esticou o pescoço. "Quer?" – perguntei de novo, e ela esticou mais o pescoço. Abri os dedos, o peixinho se debatendo na palma da mão. Antes que ele caísse, a garça deu mais um passo ligeiro e pinçou o bichinho, senti o pique de seu bico na mão.

Ela comeu me olhando, agradecida ou vigilante. Depois foi para a beira da lagoa novamente, andando tão lenta que cada pé ficava parado no ar antes de pousar para um novo passo. Perguntei se estava querendo competir comigo na pescaria, ela respondeu pinçando mais um peixinho, e comeu me olhando. Daí olhou o horizonte, e voou.

Depois alguém do pesqueiro contou que ela vive ali, e conhece os pescadores que lhe dão peixes, fica em volta deles, ignorando os outros.

– Mas nunca comeu peixe da mão de alguém, só do senhor.

Senti orgulho. Chegando em casa, Dalva perguntou o que pesquei, falei que só fiz amizade com uma garça, tão bonita e delicada que não vejo a hora de voltar a pescar, agora não mais esperando pegar um peixe graúdo, mas muitos peixes miúdos. Acho que a garça quis me dizer que os melhores prazeres são miudinhos.

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