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Está tão quente que os sorvetes derretem na mão das pessoas, quando a mãe leva o menino para ver a vó, como ela diz, mas é só uma foto da vó num túmulo.

Entre as fileiras de túmulos quentes de sol, e com tantas velas queimando, o cemitério parece um imenso forno de mármore e cimento coberto de céu azul.

A mãe coloca flores no túmulo e lenço no chão, para ajoelhar e rezar, e ele fica ali suando e olhando lá no portão o carrinho do sorveteiro.

Do túmulo vizinho escorrem velas já no toco. Ele vai catucando cera com as unhas até formar bolinha de cera, depois outra e mais outra, juntando até formar uma bola do tamanho de limão.

Olha de novo o sorveteiro lá, depois vai pedir pra mãe um sorvete de limão.

Distraído rola nas mãos o limão de cera até virar um bastão. Aí se concentra, faz outra bola menorzinha, que espeta no bastão com um palito.

Cata mais palitos queimados, espeta no bastão, pronto, formou um cavalinho com cabeça e quatro patas, só falta o rabo. Agachado procurando um fiapo pra grudar como rabo, ouve a voz da menina:

– Não é pecado pegar cera de Finados?

Ela também está agachada ali ao lado, a mãe dela também rezando noutro túmulo, e gotinhas de suor brilham na sua testa.

Ele olha em volta, procurando o tal Finados, então pergunta honestamente:

– Quem é o Finados?

Ela ri:

– Não é Finados, bobo, são os Finados, todo mundo que morreu.

Olhando o cavalinho na mão, ele balbucia que a cera não ia servir mais pra nada. Então ela também catuca cera para formar uma bolinha, ele ajuda, tocam-se as mãos cerosas.

Ela amassa a bolinha de cera no mármore, formando um disco, e vai apertando as bordas com os dedos, formando um coração.

Enquanto ela descola com cuidado o coração do mármore, ele olha seus cabelinhos grudando na nuca suada, até que ela estende a mão com o coraçãozinho:

– Pra você.

Ele pega com uma mão, com a outra dá a ela o cavalinho. Ela pega, olha, põe no mármore:

– Vou deixar pro meu irmão.

Ele vê no túmulo a foto de um rapaz sorrindo com beca de formatura. A mãe dela levanta dizendo vamos, filha, e as duas se vão. Ela olha de longe, ele acena, mas ela já está desolhando.

Vamos, diz a mãe estendendo a mão. Ele pega a mão da mãe, na outra o coraçãozinho de cera amolecendo de calor.

A mãe vê o cavalinho no outro túmulo.

– Você que fez? Não vai levar?

Ele balança a cabeça, não vai levar, não:

– É dos Finados, mãe.

Ela olha o homenzinho que olha em frente, suando responsabilidade, e vão por entre os túmulos. Ele até esquece do sorvete. No ônibus, abre a mão, o coração embolou, a mãe pergunta o que é. Não é nada, ele diz com os olhos úmidos.

Em casa, ela dirá que ele está virando homem, até chorou pela vó, não é verdade? Então ele refará o coraçãozinho de cera, botando na geladeira para endurecer, e dará à mãe:

– Fiz pra vó.

A mãe chorará, o pai chorará. Depois ele mostrará ao menino vizinho, dizendo que ganhou da namorada. Depois embolará de novo o coração, para encerar a linha do papagaio. Depois guardará o restinho debaixo do travesseiro, a mãe achará e jogará fora, e ele nem dará pela falta. O menino vizinho perguntará da namorada, ele responderá displicente:

– Ela é finada.

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