Visitei duas Cubas: mergulhando, a riqueza de seu mar caribenho; e andando, sua pobreza de museu a céu aberto. Cuba congelou-se na década de 50, arquitetonicamente, culturalmente, politicamente, até culinariamente, comi doces que pareciam ressurgidos das festinhas de infância.
Cansei de perguntar às pessoas o que acham do regime. Funcionários do governo e partidários do partido único acham o regime ótimo e Fidel ainda um herói; os outros, dizem que não entendem de política e mudam de assunto...
Fiz quinze maravilhosos mergulhos no mar, e em terra ouvi uma dúzia de conjuntos musicais tocando Guantanamera...
Fui tomar sorvete, havia longa fila para os cubanos e, para nós turistas, um atendimento à parte, sem filas, embora também apenas com um sabor de sorvete, aguado. A banana-split tem uma banana e duas bolinhas de sorvete. Dá dó.
Os conjuntos habitacionais erguidos pela Revolução viraram cortiços, mesmo destino de milhares de sobrados anteriores, mas estes resistem melhor graças à construção sólida, embora sem pintura, como quase tudo na ilha carece de manutenção. Quando o regime abrir, fará sucesso quem abrir lojas de tintas.
Como há uma moeda para o povo, o peso cubano, e outra para os turistas, o peso conversível (pois pode ser trocado por moedas estrangeiras), floresce um mercado paralelo oficialmente tolerado. Nosso guia em Havana era professor, preferiu trabalhar no turismo para ganhar gorjetas em pesos conversíveis, que valem 25 vezes mais que o peso do povo... E se esforçou para comprarmos ingressos de shows noturnos, lancharmos no hotel tal, comprarmos charutos na loja tal, claramente para ganhar comissões dos proprietários.
Sim, há proprietários de negócios, desde que sejam familiares, pagando impostos pesados, com produção vigiada. Um plantador de fumo falou que, se pudesse vender livremente os charutos que faz em casa, com o mesmo fumo que entrega para os charutos de grife, teria um Mercedes e não um Lada velho na garagem... Vendendo para turistas os charutos caseiros, ganha mais que tocando a plantação.
O espírito de iniciativa só existe para criar jeitos e maneiras de vender excedentes por fora dos controles oficiais, ou para ganhar gorjetas ou comissões paralelas aos salários tabelados. Assim, o socialismo conseguiu, além de padronizar a pobreza, estimular a malandragem e a criatividade do mercado alternativo, mas esta pode ser essencial para o futuro.
No barco, nossos guias de mergulho nos serviam no almoço (longe de vigilância e cobrado à parte) lagostas tiradas ilegalmente dos corais oficialmente preservados...
Ou fomos tratados simpaticamente como otários, por gente interessada em nosso dinheiro, ou tratados indiferente ou burocraticamente por quem não tinha como ganhar conosco.
A burrocracia impera. Num embarque em aeroporto, passamos por duas inspeções de passaportes, uma a vinte metros da outra, tanto aparato só se justificando para criar mais empregos oficiais...
Painéis, cartazes, fotos e cartilhas de propaganda revolucionária estão por toda parte, com seus apelos ao heroísmo e ao sacrifício em nome da pátria, contrastando com a alegre humildade do povo.
Tudo, aliás, é duplo: duas moedas, dois mercados, o oficial e o paralelo, a Cuba para os turistas e a Cuba para os cubanos, os veículos antigos para o povo e os novos para o turismo e o governo, a resistente arquitetura antiga e a decadente arquitetura revolucionária, e, principalmente, a dualidade entre o que se diz e o que se faz.
Cuba finge de revolução soberba, enquanto se vende por micharias. Mas o que tem de mais encantador é justamente esse museu vivo, que tomara seja preservado quando o regime abrir.
Que não destruam os velhos sobrados para construir shoppings. Num sobrado onde morava uma família rica, vegetam três famílias pobres. Fiquei imaginando os milhares de sobrados restaurados e revitalizados com a simbiose cultura-lazer-turismo, o museu vivo exibindo e vendendo com orgulho as fotos e lembranças de sua gloriosa revolução, porém sem a hipocrisia ingênua de querer nos fazer crer que a revolução continua. Ela foi acabando conforme foi eternizando Fidel no poder e a ditadura "do proletariado" que o proletariado apenas sofre e não goza.
Mas não nos iludamos: quando o regime abrir, a abertura virá com demolições e construções, investimentos e acionistas exigindo lucros e... Visite Cuba antes que morra esse museu vivo.
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