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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Uma de minhas primeiras lembranças é que, lá com cinco anos, mãe me levou a uma curadora, de charrete. No caminho, o cavalo levantou o rabo e, como dizem as línguas bem educadas, obrou. Mesmo doentinho, achei lindo aquelas obras verdes saindo fumegantes. Depois da consulta, enquanto mãe ainda conversava com a curadora, catei um pau e, na volta, cutuquei o cavalo bem ali. Ele disparou pela rua, e o charreteiro pelejou para controlar o bicho. Em casa, ela contou o caso, furiosa, mas Nonno José riu:

– Bom, é sinal de que ele tá curado...

Penso nisso recolhendo estrume de duas éguas deixadas a pastar na pracinha onde faço academia. Estou ali, com pá e pazinha, enchendo sacos, pois as éguas são muito produtivas, quando um menino e uma menina agacham ao lado, cenhos franzidos de curiosidade, até que o menino pergunta:

– Que que vai fazer com isso, tio?

– Comer.

Eles se olham, a menina arregalando os olhos, o menino apertando a boca para não rir. Ela pergunta com cara de nojo:

– Mas você come isso, tio?!

– Claro, mas só daqui a um tempo.

Eles se entreolham novamente, e é a vez do menino:

– Vai deixar apodrecer pra comer?

– Não, vou deixar secar, misturando com cinza.

– Pra temperar?!

– Não, pra curtir.

O menino coça a cabeça, falo antes que pergunte:

– Curtindo o estrume, morrem as sementinhas de mato, pra não empestear minha horta. Daqui a uns quinze dias boto na terra da horta, pra adubar, e depois vou comer as verduras e legumes, que vão estar bonitos e gostosos graças ao estrume.

Eles se olham de boca aberta, voltam a me olhar sorrindo.

– Então você não vai comer isso aí, né...

– Vai comer é...

– ...o que isto aqui vai virar. Aliás, vocês também comem. Muitos legumes e verduras vendidos no comércio vem de hortas adubadas com estrume, e também frutas. Eu mesmo também vou estrumar vários pés de frutas, de forma que vou comer estrume na forma de laranja, poncã, framboeza...

Eles se vão, conversando baixinho. Mas depois, quando estou no boteco tomando uma cerveja diante do poente, eles passam com a mãe e o menino aponta falando alto:

– Ah-lá, mãe o homem...

E a menina completa:

– ...que come bosta de cavalo!

Cidadão na mesa do lado diz que essa meninada de hoje não tem educação, digo que não, é verdade, eu como aquilo. Ele me olha com a mesma cara do menino, e explico. Ele ri, diz que veio da roça, era quem tinha de recolher tudo que o cavalo do pai e a vaca da mãe faziam. Outro entra na conversa dizendo que hoje tudo mudou tanto que vendem cocô de minhoca no mercado, o tal húmus. Um quarto encerra o assunto:

– Mas bom mesmo é cocô de galinha, o bicho quanto menor mais adubativo é.

Então melhor é minhoca, emenda o outro. Ponto estrumático final.

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