| Foto: Felipe Lima

Não devemos nos conformar se ainda pagamos tantos impostos embutidos e temos precários serviços públicos, mas antes os impostos também eram embutidos e os serviços públicos quase nem existiam, não é para agradecer sem deixar de continuar lutando por melhorias?

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Quando a primeira televisão entrou em casa, eu era rapazola e não esqueço que, na primeira noite, a família paralisou-se em volta daquela tela onde as imagens, chuvisquentas e em preto e branco, eram olhadas com fascínio. As famílias que não tinham tevê iam visitar as outras, para compartilhar aquela maravilha. Hoje, quando ligo a tevê e a imagem surge colorida e nítida, e é possível ver tevê até no celular, agradeço por viver num tempo em que tanta tecnologia melhorou tanto nossa vida.

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Sento para almoçar e eis verduras e legumes sem veneno, carne inspecionada, arroz integral cotidiano, que até há uma década era encontrado só em poucos pontos de venda, agora está em todos os mercados. Não é o caso de agradecer?

A gente tinha duas ou três marcas de cerveja, praticamente uma só opção de fermento, azeite só se achava misturado com óleo de soja, e se você pedisse sal marinho no mercado, diriam ué, todo sal não é marinho? Como não agradecer tanta melhoria?

A gente também só ia ao médico quando doente ou pra morrer, a medicina não era preventiva, nutricionista inexistia, psicólogo era coisa de louco e os deficientes eram escondidos pelas famílias. Olhando hoje, não é para agradecer de joelhos?

As bicicletas não tinham marchas, e tinham pneus grossos porque as ruas tinham barro. Os carros tinham volantes duros, assentos duros e rádios chiadentos. Os ônibus não tinham toaletes, em qualquer emergência era preciso esperar a próxima parada para ir a um mictório de rodoviária, e, aliás, até os mictórios tornaram-se sanitários. Como não agradecer?

Minha avó soprava lenha para cozinhar no fogão, gastando nisso boa parte da vida, minha mãe cozinhou em fogão a gás, gastando nisso também muito tempo, e minha filha esquenta ligeirinho no micro-ondas comida congelada, ganhando tempo. Digo a ela para agradecer, não custa nada e é o melhor remédio para a depressão, a amargura e o rancor.

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Reclamamos de governos e políticos, mas temos de agradecer a transparência crescente que conquistamos, a lei da ficha limpa, os controles e conselhos civis, prenunciando uma democracia sem privilégios que espero ter a graça de ainda ver nesta vida.

Aliás, quem não acredita noutra vida não é mais pendurado em árvores ou queimado vivo.

Quem fica sem emprego, tem seguro. Quem procura o SUS, muitas vezes sofre, mas antes gente sem dinheiro simplesmente morria. E as funerárias extorquiam as famílias. Como a polícia batia e torturava e ficava por isso. Não devemos nos conformar se ainda pagamos tantos impostos embutidos e temos precários serviços públicos, mas antes os impostos também eram embutidos e os serviços públicos quase nem existiam, não é para agradecer sem deixar de continuar lutando por melhorias?

Era normal crianças irem à escola descalças, e os pais batiam nelas com cinto, sapato, tamanco, pau de vassoura, corrente, e marido que batesse também na mulher podia confiar que nada com ele aconteceria.

Temos muito que agradecer, e muito ainda a fazer para merecer o legado de tantos que lutaram por nós. Amem – e amém!

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