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Agradeço ao peixe por ter espinhas, ou eu não teria o prazer de tirar cada uma, aguçando o sabor com a paciência.

Agradeço ao pernilongo por zumbir: pior seria se não zumbisse, alertando para que eu lhe dê o velho tapa na orelha.

Agradeço à orelha por ter esse pavilhão todo encurvado, concha acústica que ainda se dá ao luxo de pendurar brincos.

Agradeço por não usar brincos, embora ache bonito em quem gosta; em mim seriam penduricalhos insuportáveis como os relógios que destrocei ou perdi, até me dar conta de que relógio e eu não fomos feitos um para o outro.

Agradeço ao sol, meu relógio sem ponteiros nem visor, que nos dias nublados me deixa sem tempo, o que também agradeço, cansado de correr atrás das horas.

Agradeço ao bocejo me avisando da hora de dormir, único amigo que me faz abrir a boca sem que diga besteiras.

Agradeço às besteiras que fiz e me ensinaram, como agradeço às besteiras que não fiz e, como não me arrependi, não era para fazer mesmo.

Agradeço aos arrependimentos que casaram com o aprendizado, para não virarem remorso ou rancor.

Agradeço às ideias que envelhecem, sinais de que estou me renovando.

Agradeço às novas ideias, sempre porém desconfiando: não é por lançarem novos chapéus que vou botar todos na cabeça.

Agradeço à mãe que me ensinou a agradecer, dizendo que na vida temos três palavras mágicas que abrem portas e caminhos: por favor, com licença, obrigado.

Agradeço ao pai que me mostrou o maior dos professores e o mais forte dos heróis – o exemplo.

Agradeço à doença que me faz valorizar a vida e a cuidar melhor do corpo.

Agradeço aos pés que levam o corpo a tantos lugares, e à cabeça que resolve onde devo colocar os pés.

Agradeço às mãos, esse time de dez dedos, sempre prontos a fazer tudo que só com as mãos podemos fazer.

Agradeço ao nariz, que cheira de longe, fareja de perto, empina de tonto e gosta de se meter onde não é chamado, por isso mesmo vive me ensinando a ser menos atirado.

Agradeço aos imprevistos e coincidências, essas brincadeiras de Deus a estimular minha criatividade: como reagir aos imprevistos, como aproveitar as coincidências?

Agradeço às catástrofes, a mostrar que o planeta está vivo, ou não teríamos nem ar, nem água, nem terra nem mar.

E agradeço ao tempo, que só sabe fazer uma coisa, que é passar, mas faz como ninguém, faz o tempo todo, faz sem parar, faz sem perdão nem apelação. Afinal, se fôssemos eternos, não estaríamos vivos!

E agradeço por passar tão bem meu tempo de vida que tenho coração e alma para agradecer.

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