Lendo O Réu e o Rei, Minha História com Roberto Carlos, de Paulo César de Araújo, fiquei fã. Não do RC, mas do PC.
Ele teve a biografia Roberto Carlos em Detalhes embargada pelo biografado, em 2006, e neste livro conta seu calvário para tentar liberar a obra, enfrentando nossos suplícios nacionais. A desvalência das leis. A burocracia burra e infernal. A Justiça desigual para poderosos e cidadãos. A manipulação de fatos, quando lhe são inconvenientes, pela mesma imprensa que prega imparcialidade. O corporativismo (no caso, dos artistas do Movimento Procure Saber, cooptando até a Presidência da República para manter a censura). A ignorância (de RC e outros que, mesmo sem ler, condenaram a biografia!). E, finalmente, a morosidade legislativa, que ainda a mantém proibida.
Mas RC nem tentou proibir O Réu e o Rei, ou se consolidaria como nosso símbolo maior de censura e prepotência. E, apesar de todo seu calvário, PC ainda encerra o livro com citação de historiadora generosa com a memória de RC: "Daqui a cem anos, quando nenhum de nós aqui mais existir, existirão as canções de Roberto Carlos e o livro Roberto Carlos em Detalhes, para explicar às gerações futuras a grande importância deste artista na história da música brasileira".
Antes, se eu tivesse de escolher cem discos para levar à ilha deserta, já não levaria nenhum de RC. Mas agora, se tiver de escolher dez livros brasileiros, O Réu e o Rei estará entre eles. Porque é a história de um engraxate que, cursando sempre escolas públicas, tornou-se escritor que tanto emociona intensamente quanto faz pensar agudamente, transformando sua luta por liberdade numa epopeia civilizatória, protagonizada não por RC, mas pela Ética.
Outra protagonista principal é a Técnica, de que também nossa nação é tão carente, pois o livro é rigorosamente estruturado sobre pesquisa sólida, e, ao contrário de tantas pesquisas que apenas produzem currículo, PC a usa para, com linguagem clara e instigante, sempre chegar a conclusões reveladoras.
O livro se lê como romance, pois, além de nossas mazelas nacionais, desfilam, encarnados por figuras do mundo cultural e político, a hipocrisia, a mentira, a arrogância, a esperteza malévola, a cupidez, a covardia, o preconceito e até o delírio e também a humildade e a perseverança encarnadas pelo autor.
A certa altura, Carlos Heitor Cony escreve que "se houver um descendente de Antônio Conselheiro ainda em atividade, ele poderá pedir que se recolham todos exemplares de Os Sertões" exatamente quando eu, pela dimensão do livro de Paulo César, a cada página me lembrava do livro de Euclides da Cunha. Porque ele foi a Canudos reportar uma revolta tida como obscurantista de sertanejos fanáticos, e voltou de lá cunhando que "o sertanejo é antes de tudo um forte" e Canudos devia nos servir de lição republicana. Como PC escreveu uma biografia apaixonada por seu ídolo, que se converteria numa radiografia dessa doença chamada idolatria.
Assim terminei o livro vendo no Réu exemplo de cidadania, esse esteio da civilização, e vendo no Rei um reizinho de crenças bisonhas e birras infantis, a encarnar aflições de que devia se curar, em vez de afligir a outros. Mas a quem devemos agradecer por, sem querer querendo, motivar a consolidação da liberdade de expressão em nossa democracia.
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