Eu estava com Hélio Leites na Feirinha, quando alguém passou falando que "o tablet é uma invenção maravilhosa". Então nós ficamos troquideando, trocando ideias à toa. Falei que o tablet é mais derivação que invenção, desdobramento de invenções anteriores como o computador, o celular, a televisão.
Invenção mesmo foi a fogueira. Juntar paus e manter aceso o fogo capturado num incêndio de raio na savana. E em volta da fogueira nasceriam outras invenções como a cozinha e a linguagem.
Ah, falou Hélio, como eu queria estar lá, quando alguém deixou caça perto do fogo e, de tão cansados, todos dormiram. De manhã, viram a caça ali meio queimada, meio não, e alguém cutucou com a faca de pedra, e aquilo soltou um cheirinho bom, outralguém beliscou, levou à boca e... começou a alimentação cozida, falei, que nos deu mais proteínas e sustentou a expansão do cérebro para virarmos o que somos.
Mas, falou Hélio, se eu estivesse lá, seria só mais um deles, e veria aquilo como só mais uma comida... Pensando bem, nem foi invenção, foi acidente, nénão?
Grande invenção mesmo, Hélio continuou, foi o botão. Caçar aquele urso, só com a lança naquela neve, e poder lançar a lança sem ter de cuidar para não perder o agasalho, a pele de outro urso, matado no inverno passado e usado como manto. Até que a mulher teve a ideia de fazer dois furos naquele couro e trespassar um osso, para o manto continuar fechado mesmo quando o homem abrisse os braços.
Aí, falei, o homem pensou "até que mulher serve pralguma coisa, né", sem saber que estava tendo o primeiro pensamento machista da História.
Depois falei que, se o primeiro botão nem foi redondo, mas uma simples lasca de osso, não vá se surpreender se eu disser que antes da roda houve outra baita invenção.
O pente, meu irmão. Os primeiros devem ter sido espinha de peixe, depois osso esculpido até virar pente e permitir que a gente não só pudesse viver sem cabelos emaranhados e cheios de piolhos, mas, também, que a beleza começasse a nos encantar, o que foi o começo da arte... E Hélio, todo descabelado, se emocionou de molhar os olhos.
Depois lembramos outras invenções trabavilhosas. A faca, o martelo, o machado, o enxó, a enxada, o arado! Não existiria agricultura se um dia um sujeito não arriscasse riscar a terra com um pau e cuspir ali umas sementes.
Mas invento maior mesmo, falou Hélio, foi quando um homem olhou uma mulher amamentando o filhote e se perguntou: esse bichinho será meu ou de quem?
Todos do bando brincavam com aquela mulher, daí de quem seria aquele guri ali?
Por via das dúvidas, ele começou a cuidar mais dela, para ela poder cuidar mais do guri. Ele já tinha notado que todo filhote se parecia mais com algum deles, e o tempo mostraria se o moleque tinha a cara, ou o andar, ou o jeito em geral do... como dizer? O jeito do pai!
Aí surgiu a família, nossa maior invenção, sem a qual então não haveria tribos, nem depois cidades, nem sociedade (e nem impostos, burocracia, políticos) e também, acrescentei, nem cronistas que não usam tablet...
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