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– A lua vai estar quase cheia nesta passagem de ano, sabia?

– E daí? Cheia ou minguante, não bota dinheiro na minha conta.

– Depende. Se você for pescador, tem lua melhor e lua pior pra pesca.

– É, e se eu vendesse guarda-chuva, o melhor tempo seria o chuvoso, mas meu negócio é outro e você sabe, não tenho tempo nem saco de ficar olhando lua.

– Por falar em negócio, sabia que a palavra vem do Latim "negar o ócio"? Os patrícios romanos tinham escravos, não precisavam trabalhar mas notaram que o trabalho faz bem, então deram de fazer negócios.

– Pois eu gostaria de não ter de trabalhar, viver como um fungo, que seca quando faz sol, enverdece quando chove e pronto, não precisa fazer nada.

– Que ambição, hem, ser um fungo!

– Melhor que ser uma ameba, que vive se dividindo. Fungo cresce sem fazer força.

– Mas deve ter uma vida chata, hem? Nem sexo faz!

– Eu tô me lixando pra sexo, até isso dá trabalho, traz problemas, filhos, cobrança, só encrenca.

– Bem, acredito então que seus desejos de ano novo são...

– Não desejar nada, pra não me frustrar.

– Bem, isso é zen.

– Não, é nem. Não quero nada nem coisa alguma, só ficar quieto no meu canto. Se pudesse, sem nem precisar respirar!

– Mas respirar é de graça, e é tão fácil e tão bom quando a gente toma consciência da respiração e...

– Ao contrário: tomou consciência, ganhou problema. Eu queria ser que nem as plantas, sem pensar em nada, dependendo do sol e da chuva sem precisar sair do lugar, só vegetando.

– Mas até planta tem seus problemas, tem as secas, as tempestades que quebram galhos e...

– Mas planta não sente dor.

– Como não? Sente, sim, sente dor, e tem emoções, a ciência já demonstrou.

– É pra isso que serve a ciência, pra complicar o que é simples, mexer com o que tá quieto.

– Nossa, como você tá pessimista! Não vai nem abrir a carta que chegou?

– Pra que? Pode ser mais uma conta.

– Posso abrir? Gente viva tem curiosidade, sabe? Você tá morto em vida, não sabe mais o que é isso mas... Ei, sabe o que estou lendo aqui? Morreu nossa tia e somos os únicos herdeiros!

– Tia Consuelo? Não acredito! Era tão megera que parecia eterna. Nossa, morreu mesmo. E deixou imóveis e investimentos?! Nossa querida tia, vou levar uma baita coroa de flores!

– Mas aí diz que ela morreu faz mais de mês.

– Levo flores de plástico, duram anos no cemitério. Tia Consuelo, que amor de mulher! Vou reservar já passagem de avião!

– Com esses atrasos nos vôos?

– É verdade, vou de ônibus, olhando a lua, olha só, tá quase cheia, olhando a lua e lembrando de Tia Consuelo. Nossa, quanto será que ela deixou? Posso abrir aquele negócio que eu sempre quis e...

– Mas você não queria ser fungo?

– Sem gracinhas, faça o favor, tenho muito que pensar agora. Nossa, chega a dar falta de ar!

– Respire fundo, o ar continua de graça.

– Não nos Alpes, pra chegar até lá é preciso gastar, mas eu vou conhecer os Alpes, os Andes, as Rochosas, até a Patagônia!

– Pra quê? Não é melhor viver vegetando no mesmo lugar?

– Sem gracinhas, já falei. Tá com inveja?

– Não, tô espantado.

– É a lua, meu irmão, quase cheia.

– Ah... Ei, você leu aqui o pós-escrito? Somos os únicos herdeiros mas ela deixou tudo pra Igreja!

– O que?! Deixa eu ver! Maldita Tia Consuelo!

– Escuta, já estão tocando as sirenes. Feliz Ano Novo!

– Feliz?! Rico num instante, no seguinte... Culpa da lua: quase cheia, quase rico! E enche pra que, pra me encher o saco?

– Não, pra me deixar mais feliz. Afinal, eu nem lembrava mais da Tia Consuelo!

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