• Carregando...

Aí estou eu, com a barba e o cabelão dos 26 anos – e com nonna Paulina, mãe de meu pai. Ela visitava minha primeira casa de casado, no tempo em que, como se vê, não era preciso colocar nos muros nem grades altas nem fios eletrificados...

Lembrei da nonna Paulina porque os melhores natais da vida passei em sua casa.

Era uma casa de madeira, a sala era tão pequena que nela mal cabiam a árvore de Natal e os presentes empilhados em volta. Mas a varanda era uma delícia, com piso de vermelhão lisinho e fresco, onde a meninada brincava com os presentes depois de desembrulhar cedinho no dia de Natal. E a nonna, que nunca tinha ouvido falar de ecologia, pegava e alisava todos os papéis de embrulho, para reusar de alguma forma.

O arroz era soltinho, o feijão cremoso, os assados douradinhos. Mas o principal era a polenta da nonna, que ela mexia no panelão com colher de pau e, quando Deus dizia que estava no ponto, ela despejava numa tábua redonda.

A polenta esparramava pela tábua, parando precisamente na borda. Então ela passava azeite nos dedos e passava os dedos num barbante. Esticava o barbante e com ele ia cortando a polenta, em pedaços iguaizinhos, os cortes se encontrando no centro da polenta como os raios duma roda de bicicleta.

A gente amassava o pedaço de polenta no prato e despejava o molho do frango cozido, daí queijo ralado, que ela ralava na hora, no ralador feito de lata pelo nonno.

Era a polenta que ela fazia toda semana e, no Natal, competindo com assados e maioneses e tortas que as tias traziam, a polenta continuava sendo a campeã da mesa. O nonno dizia que era porque a receita era simples:

– Ela faz do jeito que a mãe dela fazia, que é o jeito que a vó dela fazia.

Hoje, vejo que a simplicidade era o segredo da magia e da gostosura do Natal na casa dos nonnos.

Amanhecendo, o nonno ia para o quintal, matava o cabrito ou o porco, enquanto os netos ainda dormiam. Quando a gente ia ver, os bichos já estavam esfolados e cortados, nem pareciam mais bichos, apenas carne de comer. Era exigência da nonna, matança só longe da vista das crianças.

Suas assadeiras de alumínio eram tão amassadas quanto reluzentes, e nelas a carne de porco ficava pururuca e a carne do cabrito macia, com seus cheiros vazando casa afora.

Mas o melhor de tudo, só hoje percebo, é que a nonna não deixava nada desandar. Nem a maionese nem qualquer conversa, que ela não deixava virar discussão. Nem deixava ressentimento virar rancor. Não deixava irmão desamar irmão. Não tratava nenhum neto melhor que outro. Não permitia que o Natal fosse menos que um grande encontro de amor em torno de coisas simples como os presentes na árvore, o pão feito em casa, o almoço com as crianças comendo em pratos fundos, a conversa na varanda tarde adentro, a ceia tão gostosa com as sobras do almoço, as crianças caindo de sono depois de tanto brincar o dia inteiro, levadas para a cama para acordar no dia seguinte com o cheiro do café da nonna.

E, no dia seguinte ao Natal, o café já era o simples café de sempre – com leite, pão, manteiga e queijo curado, mas como era bom!

Por isso, sempre que pensamos no cardápio para o Natal, quando começamos a inventar e querer demais, lembro da nonna e resolvo:

– Não vamos começar estragando o Natal com discussão de cardápio. Vamos fazer coisas simples, de forma simples mas com amor, que Deus abençoa e vai ficar ótimo!

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]