Quando o governo piou que ia alagar o Vale da Pamonha pra fazer usina de luz, foi aquele p­­amonhoço mas, quando prometeu indenizar tudinho, o povo pamonhense quietou. Ficaram calculonhando quanto cada um ia ganhar e, já que iam sair dali, ninguém mais bateu um prego.

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Telha quebrada assim ficava, goteira molhando tudo, pois não ia tudo ser inundado mesmo? Pintura, nem pensar. Mato no quintal deixa crescer. E pra que adubar horta se...?

Só o doido do Zé Tento cismou de erguer um baita barracão, ficaram matutando pra quê. E ele deu tanta martelada que afetou a mioleira, porque um dia botou placa lá: Supermercado Tento. O povo riu que só, pois o Vale da Pamonha nem mercado tinha, só mercadinho, quanto mais supermercado...

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Mas, com hortas morrendo e criações minguando, foram comprar no Tento, que era só mercadinho mas metido a besta. Não fazia fiado, então foram comprar nos outros, mas estavam tão michos que tornaram ao Tento, pagando à vista de cara fechada. Como porém fazia precinhos bãos, voltavam sempre, com o dinheirinho da colheita fracote porque plantada sem adubo.

Foram matando as galinhas poedeiras, e assim ficaram sem ovos, mas no Tento tinha ovo barato. Foram também matando os porcos e comendo metade, outra metade vendendo ao Tento, que salgava e revendia pra eles mesmos ou na filial aberta noutro vale.

Linhás, o Tentofoi virando mesmo supermercado, crescendo que só vendo, vendendo até eletro e fruta chique que nem maçã. Então o povo se orgulhou porque, afinal, aquilo tinha crescido com o dinheirinho deles, pois não?

Mas nem tinham como caber orgulho no peito, de tanta angústia, porque ia chegando o fim do governo e cadê a usina? Na eleição, disseram que só votariam pra reeleger o governador se fizesse a usina, mas ele disse que não dava tempo, só o projeto tinha comido dois anos, paciência que a indenização ia ser gorda.

Então os pamonhenses votaram no homem e festejaram a reeleição mas, dois anos depois, só tinha agrimensor medindo o vale e fincando estaca, mais nada da usina. As casas caindo aos pedaços, as colheitas minguando de dar dó, os galinheiros vazios.

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Mais dois anos, o governador voltou pedindo voto pro seu sucessor, com a garantia do projeto da usina prontinho, era votar e ver a obra começar. Votaram, mas ganhou o candidato da oposição, que levou a obra em banho-maria bem morninho quase frio, até que quatro anos depois só tinha da usina um buracão de terra e umas pedras amontoadas.

Mas o governador disse que agora a obra era do seu coração, e reeleito ia tocar a jato. Votaram, e quatro anos depois, quando já chovia mais dentro das casas do que fora, devido a tanta goteira, e já crescia capoeira onde antes eram as plantações, receberam visita do advogado da indenização, e as casas receberam precinho baixo, porque estavam em ruínas, conforme o doutor, como as terras estavam praguejadas e inferteis, ora só!

Tudo estava assim por causa da usina, disseram os pamonhenses, mas não teve jeito. Vai de cá, vai de lá, cada um foi pegando a miserinha da indenização e alugando caminhão pra levar a tralha pra ninguém sabia onde.

Só o Tento mudou de destino certo, foi para sua maior filial na região. E, apesar de rico à custa do povo, como eles disseram, foi quem recebeu a maior indenização, o que fez todo pamonhense, passando de mudança pelo Tento, cuspir na terra ingrata e malmurar entre os dentes:

– Ô, injustiça, sô!

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